sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Reza a lenda


Marcelo Novaes


A primeira palavra que me vem a mente ao reler esse poema foi: monstruoso. É uma palavra moderninha e como tal, idiota, mas foi o que senti ao reler essa maravilha.




Reza a lenda 
[e deixa de ser lenda 
quando se reza, porque 
reza se torna] que Pitágoras 
teve de pagar ao primeiro 
aluno, para poder 
ensinar a sua 
arte. 

[Mas Pitágoras era filósofo 
e sua parte no lucro era outra: 
Arte Oculta]. 

Reza a lenda 
[e deixa de ser lenda 
quando se reza, porque 
reza se torna e em prece 
e história se condensa] que 
o muito saber não ocupa espaço, 
só muito tempo e esforço: estilhaça o 
corpo, às vezes definha, às vezes amassa. 

Reza a lenda [e deixa de 
ser lenda quando se reza, porque 
se fixa na tábua do tempo como prego] 
que Kafka teve apenas cinquenta leitores 
em toda a vida e que Baudelaire ganhou 
apenas dezessete francos por toda a sua 
obra. 

Reza a lenda [e a repete Gerardo 
de Mello Mourão, bardo velho - e 
porque a repete já é fato (velho bardo), 
sobretudo porque a repete ouvida da fala 
sofrida de amigo gago: esforço que sacraliza 
a fala em oração perene e indubitável] que a 
literatura é implacável e que só vale para dar 
testemunho. 

[O que já é muito]. 

Isso é o mesmo que quisera e dissera 
outro que rezava lendas e causos em poesia 
bem prosada e proseada, o velho e bom Guimarães Rosa, 
que não escrevia pra ninguém nem pra alguém [nem nonada], 
mas pro dia do Juízo Final. E só pra isso prosodiava o rapsodo 
no lombo do mundo todo: O Único Sertão. 

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