segunda-feira, 25 de março de 2013

A MENINA E O TEMPO









Há poesia em uma menina brincando de boneca, mas haverá em dobro se essa menina brincar com bonecas ao longo da vida e ainda perto do fim dela, brincar ainda.
Não como de pequena, não por inocente. Menina sofrida, mas menina ainda. Menina de ver as coisas com ternura e graça, mesmo tendo na vida motivos para franzir o cenho, mesmo  que de fato o cenho franzido esteja, menina ainda, mais que isso não seja.
O tempo é quando se vive e se está atento pra vida, quando se tem humor, quando não dói a ferida. Quando se sabe de coisas duras, coisas sofridas, se olha as cicatrizes e sente amor por elas.
A poesia da vida é saber que nada á maior que a poesia, que nada é maior que o crer na poesia, que se fores religioso, se crerdes em Deus de fato sabes do que falo.
A poesia não é inocência nem fantasia, é o contrário. Poesia não é criança brincando de soldado. É soldado em guerra, matando mas ajudando um ferido amigo ou dando um tiro na fronte de um inimigo ferido para encurtar-lhe o fim.

Poesia não está na dor mas na maneira de chorar ela. Poesia não está nos livros, está na veia, nos nervos e nos que o controlam. Pode estar no pouco ou no muito, em ferros ou cristais, sobretudo no sorriso. Poesia é coisa para Cabrais ou Pessoas, eu ou qualquer outro, basta que ame o belo como se ama um sorriso boboca, uma menina boboca, ou uma lua vagabunda dessas de qualquer lua cheia. Mas para que sejas poeta é preciso amar a lua e a ter como guia, como mestra, sempre e mais, nunca largar da boneca.

sexta-feira, 15 de março de 2013

KAIKE




Não diga do seu cansaço, de suas questiúnculas com a vida, de sua filosofia, do que duvida ou crê ainda. Ainda que eu seja paciente, ainda que eu te perdoe, se cale e preste atenção a luta de vida pela vida. 
Não olhe pra ele com pena, se a tiver guarde para si, ele quer só ficar longe de cortes e bisturis. Eu tenho duas lágrimas e mil sorrisos por ele. Ele é meu professor, como nenhum outro pode.
Como é fácil se apaixonar por isso, como é fácil gostar dele. 
Ele terá uma válvula na cabeça. viverá tanto quanto o tempo queira, talvez nos encontremos um dia, num bar ou feira, falaremos de mulheres e coisas passadas, eu velho e ainda fauno, ele com sua válvula. Falaremos de como temos na cabeça ferros e fios. Riremos de tudo isso, da vida e suas besteiras. Ele vai precisar de paz, você e eu também. A quem Lê isso agora, a quem eu iria pedir uma oração, fica o agradecimento o choro e a  alegria, que vem com mais choro, que vem como luz, porque a vó dele me diz que já foi colocada a válvula ontem, a cirurgia foi um sucesso. Então é só cuidar do tempo e tomar o caldo de cana na feira em que nos encontraremos um dia.

sábado, 9 de março de 2013

ENDIABRADO





Estou endiabrado, como se pode estar se não se atinar com a palavra em seu significado. Como se endiabrado não fosse derivada do diabo, como se este tivesse adjetivos que bem o colocassem.
Estou endiabrado, como os santos que vislumbram a metáfora de Dante ou o Riobaldo em um livro iluminado, como quando Marcelo Novaes escreveu "butoh", quando Romário em ação, ou como puseram o  conhaque e a lua o estado do poeta gauche, ou quando Cabral estava frente a Manolete.
Estou endiabrado, de modo que vejo o diabo furioso, estimulo a paz como uma martir, e entre casais frios, ponho fogo.
Prenuncio a paz entre tribos de antanho inimigas, faço versos que poderiam ser de Pessoa, por bonitos, por perfeitos, mas são meus. Beijo a lápide de quem não é heroi ou cantor, que morreu indigente e sem lágrimas carpidas por quem seja, porque viveu, foi homem, como Frank Sinatra, como qualquer.
Estou endiabrado e por isso minha fé aumenta, escuto a voz de Jesus como a pulsar pelas eras, como uma bússola em rota única, como guia de caminho que não tem outro.
Estou endiabrado, teço conjecturas com as formas da palavra, com o motivo do querer-se adequá-la ao que achamos polido e factível de ser entendido.
Estou endiabrado, mas com espirito leve como os que não mataram, como nunca se pode estar o que tirou a vida de outrem, o que fez uma mãe chorar e um pai vazio. 

Estou endiabrado tal qual um criança endiabrada, como se diz de alguém que se quer elogiar, como estava endiabrado aquele anjo quando inspirou Shakespeare e fez nascer a luz entre as luzes, nos dando consciência do que somos.

Sim, baby, estou endiabrado, mas não na origem da palavra, nem me atendo ao seu sentido e origem, sem partes com o mal ou quem o é simpático, sem rancores ou mágoas, menos ainda frustrações de qualquer espécie, só endiabrado com a o bom da vida e um pouco raivoso de quem a tem e não a merece. Quem reclama da vida é como um gato que reclama de ter quatro patas, miar, e ter pelos, é como reclamar do que é, reclamar do que te faz ser, e desconhecer o lado escuro da vida, de gente que quer viver, luta por isso a cada dia, e mesmo sabendo que no fim todos perdem, vão até o fim nessa luta, de saber-se mortal, de saber que vai perder na última cena, mas que só se entrega feito corisco, de parabelo na mão.

quarta-feira, 6 de março de 2013

CICATRIZES E SONHOS








Nem me preocupo com o que vai parecer que sou, ou o que irão achar, quero a bem querença dos bons, desprezo a afeição dos medíocres e mesquinhos, sou humilde pros que sei que devo ser, por razões minhas, sempre ajo por minhas razões, isso é ruim com relação as coisas, mas ótimo com relação  as pessoas. Uma pessoa me vence facinho, e vou dizer como: com bondade, candura, sinceridade, sobretudo não afetando qualidades, tendo-os somente. Sou demasiado soberbo para os que me querem humilde e sou igual a quem me tem por igual. Reconheço erros , e sempre saberei onde errei e com quem errei. Isso é pra Zezo,  isso é porque eu sei errar e não buscar razões no erro. Isso é não pros outros, os que não devo satisfações, não devo nada, menos ainda respeito ou coisa boas de mim. Falavam bem de ti, meu rapaz, e eu endosso o coro, embora talvez e com razão, tu me tenhas em menor monta, mesmo assim tens meu afeto, não precisas disso, mas tens.
Mas eu ia falar de sonhos, sonhos e cicatrizes. Há quem ache que tudo é dor, ou tudo mel, ou metade cada coisa, eu sou diferente, não certo, diferente. Poucas coisas são mais valorosas que o sonho realizado, que o sonho que deixa de ser sonho e se torna real, como uma casa, um filho, uma cicatriz. Meu filho me cobre de noite, ele é um presente não um sonho, não foi sonho. Eu quis, a mãe quis, só dependia de nós, Deus anuiu, ele nasceu e hoje é meu elo com tudo, a coisa que mais amo e preciso. Minha cicatriz foi sonhada, batalhada, procurada, e tenho-a aqui. São duas, são belas, são mistura de luta e sonho.
Fui ao restaurante com meu pai ano passado,   ele ficou triste porque eu havia piorado. Comi com dificuldades, ele cortou a carne. Fui ao mesmo restaurante com meu pai, com minhas cicatrizes ainda mais cicatrizes porque ponteadas, ele me olhava e tirava os olhos rápido, como se o olhar dele prolongado me fizesse voltar o tremor.
Minhas duas cicatrizes, não gosto que toquem nela, são minhas. Não tremo e consigo fazer coisas impensáveis antes, como comer de garfo e faca, como ter calma ao beber água sem preocupar com os tremores. Resta a rigidez que o médico corrige aos poucos. Fico lento e travo ainda, mas nem perto do que era.
Não gosto que toquem em minha cicatriz, mas gosto de mostrar, acho-as bonitas. Dir-se-ia que são lindas, se cicatrizes lindas fossem. Eu  digo que são signo  de luta e esperança. Eu digo que são lindas mesmo.