Estou endiabrado, como se pode estar se não se atinar
com a palavra em seu significado. Como se endiabrado não fosse derivada do
diabo, como se este tivesse adjetivos que bem o colocassem.
Estou endiabrado, como os santos que vislumbram a metáfora
de Dante ou o Riobaldo em um livro iluminado, como quando Marcelo Novaes
escreveu "butoh", quando Romário em ação, ou como puseram o conhaque e a lua o estado do poeta gauche, ou
quando Cabral estava frente a Manolete.
Estou endiabrado, de modo que vejo o diabo furioso,
estimulo a paz como uma martir, e entre casais frios, ponho fogo.
Prenuncio a paz entre tribos de antanho inimigas, faço
versos que poderiam ser de Pessoa, por bonitos, por perfeitos, mas são meus.
Beijo a lápide de quem não é heroi ou cantor, que morreu indigente e sem
lágrimas carpidas por quem seja, porque viveu, foi homem, como Frank Sinatra,
como qualquer.
Estou endiabrado e por isso minha fé aumenta, escuto a
voz de Jesus como a pulsar pelas eras, como uma bússola em rota única, como
guia de caminho que não tem outro.
Estou endiabrado, teço conjecturas com as formas da
palavra, com o motivo do querer-se adequá-la ao que achamos polido e factível
de ser entendido.
Estou endiabrado, mas com espirito leve como os que não mataram, como nunca se pode estar o que tirou a vida de outrem, o que fez uma mãe chorar e um pai vazio.
Estou endiabrado tal qual um criança endiabrada, como se diz de alguém que se quer elogiar, como estava endiabrado aquele anjo quando inspirou Shakespeare e fez nascer a luz entre as luzes, nos dando consciência do que somos.
Sim, baby, estou endiabrado, mas não na origem da palavra, nem me atendo ao seu sentido e origem, sem partes com o mal ou quem o é simpático, sem rancores ou mágoas, menos ainda frustrações de qualquer espécie, só endiabrado com a o bom da vida e um pouco raivoso de quem a tem e não a merece. Quem reclama da vida é como um gato que reclama de ter quatro patas, miar, e ter pelos, é como reclamar do que é, reclamar do que te faz ser, e desconhecer o lado escuro da vida, de gente que quer viver, luta por isso a cada dia, e mesmo sabendo que no fim todos perdem, vão até o fim nessa luta, de saber-se mortal, de saber que vai perder na última cena, mas que só se entrega feito corisco, de parabelo na mão.
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