segunda-feira, 26 de março de 2012

CHICO ERA HOMEM







Ainda guardo frases que li e morrerão comigo, jovens como eu não serei quando tudo for fim. Lembrarei de tudo o que ficou das folhas dos livros que me formaram, do que é minha verdade. Nunca fui leitor de poesia. Li poucos poetas, mas muito um só. Baudelaire; Bandeira; Castro Alves, Fernando Pessoa; João Cabral. 
Desses acima, só um me parece contrário a minha natureza, e é justamente o meu bezerro de ouro, a quem venero sem problemas com Javé. Aliás, falando na figura, cada dia vejo nele mais um cômico que um sanguinário, um bufão pateta, um frustrado. O que me espanta, embora pouca coisa me espante, é que se ache que javé é o pai de Jesus Cristo. Isso é de doer. Mas como eu dizia... -como se faz quando se não tem nada a dizer- João Cabral é meu anti em tudo. 
Chico Anísio está morto. Evito ver os mortos famosos na tv, sobretudo os que gosto, por achar ridículo o que se diz sobre ele. Lógico que não quero que se diga a verdade quando diante de um defunto. Não se pode fazer isso sem despertar ódio aos parentes do morto, pois a única coisa que é comum a todos que morrem é a sua canalhice. Há dois tipos de canalhas, os vivos e os mortos. Há variações de canalhice, mas o mais perigoso são os que dizem não ser. 
Mas a cara-de-pau com que se elogiam os defuntos célebres é coisa de um Gilberto Freire na antropologia; de um Freud, na psicanálise; de um Shakespeare, na literatura, não darem conta, quanto mais eu, que não sou mais que eu, o que não é pouco para mim, não sendo muito para o mundo. 
Chico foi um grande humorista, isso é fato e posso respeitar muito um grande humorista, ponto. Mas as grandes e mirabolantes cabeças da imprensa  me querem provar que ele era mais que santo, um ser tão perfeito que o que parecia-me antes um desvio de caráter era tão só, e só isso, uma prova de sua beleza d'alma- nossa!- Não preciso achar um homem perfeito para o amar. Amo ainda mais os como eu, não os como os mortos da TV, Chico não  era gênio, não era perfeito, suava e                                                      fedia, como todo mundo. Não pintava nada que prestasse, se metia a cantar, sem talento algum para isso, enfim, era humano, porra! como todos os que foram antes e vão depois, era humano. Mentia, tinha remorsos, era vaidoso, cheio de defeitos, humano. 
Não vi nada sobre a morte dele, nem verei. Li sobre ele na Veja em duas palavras: eu chorei.
O chamem de mestre do humor, eu bato palma e tomo parte, mas não o façam santo, ele era humano. Vivia disso, de explorar nossa condição de ridículos humanos, com medo da morte, com medo de nosso amor se ir. 
Os personagens criados pelo Chico não são divinos, são como nós, como ele. Temos um tempo aqui, ele vai passando, passando... o de coalhada, pantaleão, alberto roberto, passou. Chico me fez rir muito por isso tem minha lágrima. Choremos por ele sim, se foi pra sempre um palhaço, o mundo não ficou mais triste, eu fiquei mais velho com isso.

terça-feira, 13 de março de 2012

BUTOH



MARCELO NOVAES







Puxa o caixão,
segura uma das alças
do caixão do teu pai,
com a cara branca
esbranquiçada.


Não pode haver
resmungo, quando
lhe cobre um uivo
mudo, gelado.


Um uivo surdo que
só se ouve tocando
o branco do rosto,
com dedos do
afeto.


Pra se ouvir esse uivo
que uiva pra dentro,
há de se fazer uma
antologia do
sentimento.


É só pra isso que
existem olhos e
ouvidos.


Pra se ver o rosto
branco, de quem
carrega o caixão
paterno.


Ou para assistir
Kazuo Ono, no teatro,
no primeiro assento.




------------------------------------------------------------------



SOBRE BUTOH


Não, não é pelo meu pai, amado como a um filho, nem por ser o autor amigo querido. Seria justo em ambos os casos, mas é por outro motivo o amor a este poema: o amor a arte. 
Butoh é uma obra de arte. É um poema tão dolorido que chega a apaziguar. 

quinta-feira, 8 de março de 2012

O MEU DEUS




























O meu Deus não é meu, nem de religiões, nem de infernos ou adorações. Isso é javé, e ele tem minha simpatia menor que a dispensada ao cão, menor que o desprezo.
Que meu Deus é outro fique claro, como é preciso separar o que fica à direita dos da esquerda em uma organização visual. 
Tem pouco do javé, jeová, da bíblia ou tora, nada que o desmereça nesse parecer.
è diferente de o que minha irmã chama deus (assim mesmo, sem maiúscula) em tudo, até em ser bom. 
Meu Deus não mata nem manda matar, nem diria uma coisa como está:


Êxodo 20:5. Não se prostre diante desses deuses, nem sirva a eles, porque eu, Javé seu Deus, sou um Deus ciumento: quando me odeiam, castigo a culpa dos pais nos filhos, netos e bisnetos




Só há três tipos de defensores de javé, os que nunca leram a bíblia (quase todos) os que são suficientemente idiotas para, tendo lido, acreditar que o deus do antigo testamento era melhor que satanás, e os que ganham com os idiotas que pertencem ao segundo grupo.


O meu Deus não me cura de doenças, nem me dá recados, nem conversa comigo, nem me dá dinheiro, e , ora vejam, creio nele ainda, apesar de ser chamado de ateu. Ele não me faz comovido com músicas medíocres, nem o chamo "senhor dos exércitos", muito menos me dará vitórias financeiras", nem fica o tempo todo me dizendo o que fazer. O Deus em que creio não pede sacrifícios, nem segrega mulheres, nem permite escravidão, muito menos morticínio e pragas. Ele não é Deus de lugares, nem de povos, jamais mataria uma criança, e o pai de Jesus, e é tal qual o nazareno, bom e manso, igualitário e misericordioso. 


Me impressiona a fé baseada em milagres, em resultados imediatos, em facilidades. Um ateu creria em um Deus que a toda hora mandasse recados, fizesse milagres, mostrasse estar ali. Diferentemente desses que se dizem crentes e me acham ateu, eu não vejo o milagre, não vivi até hoje nada que não fosse real, provável, comezinho. Nunca conversei com ele, nunca o tive íntimo. Nunca houve nenhum tipo de materialidade que me fizesse inclinar para nada transcendental. Não espero dele grandes intervenções. Seria razoável crer em coisas mais consistentes e físicas? Não! só um chapado idiota pensa assim. As coisas físicas não requerem crença. Bastam os  sentidos. Não creio em carros, nem em paredes, sou atropelado por um e o outro me restringe. Se não cuidar em passar no sinal fechado, minha convicção da não existência do carro me será letal, e  sua realidade se imporá ao meu pensamento.


Por qual motivo haveria Deus de se mostrar poderoso? por qual estranha e mesquinha razão, mataria crianças, permitiria e ditaria regras para a escravidão? segregaria a mulher? pediria sacrifícios humanos e animais?
seria vaidoso e cheio de melindres?


Não, Deus me é presente no que tem de bom, não no que tem de físico, no que a poesia pode, não no que pode a guerra. Já o tenho em mim, não o quero ver. Mas se não o vejo? ora, pois não! todo dia, na luz da manhã em uma   poesia. Em um lindo cantar, em um sorriso guardado na lembrança. Em coisas que amo e sei-las boas. No belo de   morrer a cada dia, pensando ser no outro o fim  de minha   vida. 


O meu Deus é o pai de Jesus. Não é mais nem menos que isso: A VERDADE, O  CAMINHO E A VIDA.

domingo, 4 de março de 2012

AUGUSTO NUNES DIZENDO O QUE TODOS OS MILHÕES DE IMBECIS DO BRASIL DEVERIAM SABER SE NÃO FOSSEM O QUE SÃO: IMBECIS.

‘A soma e o resto’, o livro mais recente de Fernando Henrique Cardoso

PUBLICADO NA EDIÇÃO DE VEJA DESTA SEMANA
Augusto Nunes
Desde que a carranca de Jânio Quadros substituiu o sorriso de Juscelino Kubitschek em 1961, o gabinete presidencial já hospedou napoleões de hospício, generais de exército da salvação, perfeitas cavalgaduras, messias de gafieira, gatunos patológicos, vigaristas provincianos e outros exotismos da fauna brasileira. A rotina da anormalidade ─ que seria retomada por Lula, um ex-operário metalúrgico que acha leitura pior que exercício em esteira, e mantida por Dilma Rousseff, primeira mulher a exercer o cargo (e provavelmente a primeira figura a governar um país sem conseguir expressar-se de modo inteligível) ─ só foi interrompida entre 1° de janeiro de 1995 e 31 de dezembro de 2002, quando o Palácio do Planalto abrigou Fernando Henrique Cardoso. A soma e o resto ─ um olhar sobre a vida aos 80 anos (Civilização Brasileira; 195 páginas; 29,90 reais) confirma que foi FHC o ponto fora da curva. Lula e Dilma são duas formidáveis singularidades, mas parecem à vontade na galeria de retratos que os tornou vizinhos de parede de Jânio, João Goulart, Emilio Medici, João Figueiredo, José Sarney, Fernando Collor ou Itamar Franco. Todos executam harmoniosamente a partitura da ópera do absurdo. O acorde dissonante é Fernando Henrique, constata quem ouve as mais de 10 horas de lembranças, reflexões e desabafos reunidas no livro organizado por Miguel Darcy de Oliveira.
Eleitos pelo voto popular ou impostos pelo regime militar, quase todos os ex-presidentes têm tudo a ver com o Brasil dos 14 milhões de analfabetos, dos 50 milhões que não compreendem o que acabaram de ler nem conseguem somar dois mais dois, da imensidão de miseráveis embrutecidos pela ignorância. Tal paisagem ajuda a entender por que tantos brasileiros se dobraram a populistas sedutores ou foram dobrados por autoritários fardados. E torna especialmente intrigante a passagem pela Presidência de um intelectual brilhante, exemplarmente democrata, que escreveu muitos livros e fala sem espancar a língua portuguesa. A leitura de A soma e o resto explica alguma coisa, mas acentua a suspeita de que Fernando Henrique tinha tudo para não ser presidente do Brasil da virada do século.
“Este talvez seja o livro mais espontâneo que já publiquei”, avisa FHC. É mesmo: a transcrição quase literal das falas resultou numa obra sem parentesco formal com a escrita sofisticada (e eventualmente impenetrável) do sociólogo mundialmente respeitado. Tal opção cobrou seu preço em redundâncias, raciocínios que pedem mais espaço e histórias interrompidas. Esses pecados veniais são amplamente compensados por revelações que só ocorrem em diálogos sem gravata. Avesso a derramamentos e confidências, FHC nunca foi tão longe nas viagens íntimas, sobretudo as que o levam a reencontrar os pais e os avós. Aos 80 anos, completados em 18 de junho, ele enfim se animou a esboçar o retrato de um futuro presidente quando menino. Acabou tornando bem mais nítidos os contornos do adulto. “Sou cartesiano, mas com pitadas de candomblé”, informa. “Acasos, acidentes, escolhas, capacidade para assumir riscos… Os pontos de inflexão na minha trajetória são um misto de tudo isso”.
A frase se ampara na trajetória do professor universitário que disputou a primeira eleição aos 48 anos, virou suplente de senador, substituiu o titular em 1982, perdeu a prefeitura de São Paulo para Jânio Quadros em 1985, conseguiu outro mandato no Senado um ano mais tarde e já se conformara com a ideia de tentar uma vaga na Câmara dos Deputados, em 1994, quando o presidente Itamar Franco decidiu que seu chanceler deveria ser ministro da Fazenda. Os acasos e acidentes o colocaram frente a frente com a inflação de três dígitos. Coisas do candomblé. E então o cartesiano entrou em ação. Escolheu uma equipe de economistas excepcionais, comandou a implantação do Plano Real, rebaixou a inflação a porcentagens europeias e virou presidente. Por oito anos.
“É a curiosidade que me move”, diz. “O sentido que dei à minha vida foi tentar perceber o que vem de novo por aí”. Essa curiosidade permanente o levaria a inventar, de volta à planície, a versão brasileira do ex-presidente surgida nos Estados Unidos em 1951, quando a 22ª emenda estabeleceu o limite de dois mandatos. Nesta primavera, por exemplo, José Sarney e Fernando Collor agonizam no Senado e Lula escolhe candidatos a prefeito. Fernando Henrique se reúne com os Elders, grupo de ex-governantes fundado por Nelson Mandela, protagoniza um documentário sobre o problema das drogas, busca soluções para o Oriente Médio, escreve livros e coleciona afagos até da presidente Dilma Rousseff. No Brasil, quem conheceu o coração do poder não consegue respirar longe das urnas. FHC deixou a política miúda para, sem sair da vida, entrar na história.

sábado, 3 de março de 2012

OS PAIS DOS MENINOS IMUNDOS
























Tudo o que sei deste homem se resume a ser nome de rua e sua biblioteca. Na rua com seu nome vou de vez em quando, na biblioteca não mais. Conheço a cidade que moro, pequena e feia em sua secura agreste. Cidades como a minha só existem em sonho, ou bibliotecas. este homem, João Condé, doou sua biblioteca à cidade e eu pegava livros lá quando li a livros. Sua biblioteca era um sonho, ficava no meio da feira de caruaru, um lugar esquisito e bonito, e russo-agreste. Sempre lembro deste homem, deste grande homem, cuja cultura não vale nada em nosso tempo.


De fato, ando meio melancólico e sentimental, mas quem vive rindo de tudo o tempo todo, não é feliz, é só um pateta. Rimbaud dizia que triste era o riso dos ignorantes, estava certo. O riso só, sem razão, fora de proposito e hora, é execrável. Sim, é isso mesmo! só o canalha é plenamente feliz. Olhar para cima é uma maneira de ser canalha. Temos o lado. O lado é que fode tudo. No centro de minha cidade, pequena e feia, mas amada, como se pode amar uma mulher feia, vendo nela seus por-dentros, não  por-foras, fazendo com que os externos sejam bonitos por serem destoantes do bonito, contrapondo à beleza a si própria, contrária ao que em si é o mesmo. Mas de volta ao centro de minha cidade, há os mendigos na calçada, no noite, e com filhos imundos e perdidos. São 05:13 da manhã, o branco ressona e eu vou me deitar com ele e sentir o corpinho dele quentinho e coberto. Os menino imundos de rua serão pais de meninos imundos e sentirão o que é ver um filho sujo e com frio. 


Tudo é dor. 


Viva João Condé!


Que cada homem que passou em cargos de poder e que tenha roubado um centavo,  seja réu em juízo cujo jurado será o pai daqueles meninos imundos.