segunda-feira, 23 de outubro de 2017

O pitão

Madrugada,  acorda o bobalhão, abre a porta e fica da grade olhando a rua. Chega o pai que trabalha de madrugada e o vê; Pergunta-lhe: -- O que estás fazendo aqui? ---ouvindo o galo, responde o menino. Isso é absurdamente belo  e acarinha a alma, e embeleza o feio do dia, e faz da vida algo melhor que respirar e comer, faz a vida ser vivida e sentida, faz não endurecer. esse sim é um grande poeta (o pitão cagão, meu sobrinho) é a própria poesia ou ela posta em palavras e mostrada de dentro, do fundo.
Ele tem o estranho costume (não sei onde aprendeu) de colocar a vogal "I" no final das palavras, sobretudo de nomes próprios. Tem uma estranha maneira de usar os pronomes, as vezes juntando o "me" com o "mim", não como fazem na net, mas fazendo a fusão entre os dois e criando o pronome "mi". Diz, o pitão: mi pai.
O poeta é quem se vale das palavras. Veja bem, "se vale", usa-as a seu favor, usa-as com sentido de gastar, degustar, fumar, ou um sapato. Com o poeta vale tudo (até essa frase ridícula). O poeta vem do menino, esta na criança, vem de antes disso ou, quiça, antes do antes disso. Parafraseando Marcelo Novaes (e aqui tudo a ver porquê o poeta e outro se chamam Marcelo) o poeta é anterior a si mesmo. Não precisa escrever. Aliás, a poesia vivida é muito maior que a escrita; Nenhum beijo terno pode ser tão bem descrito pelo poeta que o ato em si, se bem que Dostoievski descreve um luar np seu conto "Noites brancas" que é mais bonito que o próprio luar, mas isso só na minha cabeça.
O fato é que a poesia não morreu. Morreram os poetas que talvez tenham ficado melhores porque mortos, mas a poesia durará. Enquanto houver sobrinhos, enquanto houverem galos a cantar.

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