quarta-feira, 30 de maio de 2012

SAMPA HOTEL. OU: O FIM DA VIDA.









Li  "Sampa hotel" no blog  do Marcelo Novaes e adorei isso, porém (quase nunca uso esta palavra) li um outro que me pareceu imediato e mais pessoal "O coração das coisas". Talvez a preferência pelo segundo se deva mais ao meu argumento que virá do que outras coisas (porém, talvez, será... oh! desse jeito  a coisa não vai) Ou toma partido ou se cala. Tomarei.

"Sampa hotel" é  o que não se espera ler em um poema. Contém palavrões e violência verbal que um leitor de poesia não gosta muito. O leitor que não sabe o que é poesia. E o que é?
Como o príncipe de Elsinore, digo: o mundo está torto, porquê tem de ser eu a consertá-lo?

1º poesia não é busca de verdade, mas de beleza, embora uma conduza a outra inexoravelmente.
2º poesia é amoral.
3º não há nada transcendental em poema nem no ato de escrever um.


Convencionou-se por pura tolice que tudo de "sujo" ou que se valha de uma linguagem que se sabe comum nas ruas mas que finge-se não existir. Que coisa chata esse texto! (o meu) Poesia não é para ajudar ninguém, nem para função nenhuma. Não tem utilidade prática, como não tem a própria literatura. Mas quem lê qualquer outro gênero literário não exige (pelo menos com o grau que se exige do poeta) um certo bom-mocismo, uma assepsia, uma sacralização da escrita. Com o tempo o poeta passa a ser lenda e é esquecido como escritor. Veja só, alguém já ouviu dizer  que Fernando Pessoa era um gênio? ou Camões? ou Drummond? nunca se chama um poeta de gênio, por  razão simples: poetas não são inteligentes, brancos, pretos, veados nem ateus. Poetas são poetas.


A um poema cabralino que compara o ato de escrever ao de defecar. Um outro de catar feijão. Um poema do mesmo Cabral, genial, mas como eu e Marcelo, não mais que um poeta, que versa sobre um ovo de galinha; um outro sobre o número quatro. Cabral compara uma mulher com uma égua "estudos para uma bailadora andaluza",  é impossível discordar da beleza dos poemas. E muito menos de serem deselegante ou sequer chegar a nenhuma instância de grosseria.

"Sampa hotel" talvez nem seja um poema. Seja um conto escrito por um poeta (o que vem a dar no mesmo-ou mesma-) mas tem o soco no olho da verdade dada à luz do dia, que é quando a verdade é mais doida, mais vista. Há o lado da vida bom e o mal, e tem o pior que isso. O mundo dos loucos,  dos poucos,  dos foram fundo e não sabem que estão lá. Que nunca sentem o que são, que não lembrando o bom do sol, perdeu-se em noite eterna. Não falo de gente estranha, conheço-as, tive-as perto. Não falo como "um Limpo", sei do lôdo e tenho meus Pântanos. Mas o triste dessa gente do poema-conto é que não sabem que estão caídas. Isso é o pior. Para mim isso é o fim da própria vida.

Um comentário:

  1. Wellington,


    Vou dizer o que vc disse [ou algo vizinho ao que vc disse] do meu próprio modo:

    1.Um escritor assume vozes, e as encontra dentro de si. Algumas são oníricas, outras são tão factuais quanto o tal soco no olho de Sampa Hotel.


    2.As vozes que o escritor assume são perspectivas, não são necessariamente confissões. Se fossem confissões, a escrita literária [e isso é o cerne da confusão de muita gente que lê e lê mal] não passaria de uma extensão do diário que alguns adolescentes escrevem. Seria nada mais do que "um diário adolescente tardio".


    3.Só por isso [por ser mais do que um diário, e diverso disso], algumas vozes podem ser femininas, sem que o escritor seja afeminado, podem ser marginais sem que o escritor assalte bancos nem durma nas calçadas, podem ser de um doente terminal sem que o escritor saiba o número de seus dias.


    Assim sendo, as pessoas podem gostar ou não das mais pessoais, como diz vc [aquelas que, no meu caso, são como "raciocínios estilizados em voz literária"], como podem saber apreciar as de outras vozes que não são a minha, mas que sou capaz de conceber, ou assumir temporariamente. O ator também busca/encontra o ponto de ressonância em si para tornar qualquer personagem que represente minimamente verossímil.[Ou maximamente, se for bom ator].


    No texto escrito, a verossimilhança não é só a factual [ou a factível], mas também a do sonho ou a da música. E quanto mais o escritor buscar essa tal "verdade da voz" nas faixas distintas do espectro [de Sampa Hotel ao Coração das Coisas, passando por Liturgia das Horas -deixei de fora o "enfermas", para que as pessoas descubram que as horas estão enfermas por si mesmas, se for o caso...], do factível ao musical ou onírico, menos o leitor acostumado a crônicas de jornal "matará a charada" sobre o personagem-autor, e mais poderá ficar perdido na "confusão de vozes", se não entender o que significa ser escritor. Significa assumir vozes. Mário de Andrade tinha muitas, sem nomear heterônimos. Fernando Pessoa preferiu o didatismo de distingui-las em alter-egos, mas ainda havia o Fernando Pessoa que buscava as outras nuances fora das quatro "biografias literárias oficiais assumidas".

    Isso é a carpintaria da literatura, assim como o teatro tem a sua.


    Haveria alguns escritores quase que "puramente confessionais"? Alguns. Sylvia Plath, Anne Sexton, Ana Cristina César, Ernest Hemingway, Manuel Bandeira. Se vc pegar um Jorge de Lima e um Murilo Mendes, os poetas religiosos vizinhos ao surrealismo [e, no caso do primeiro, ao regionalismo seguido pelo surrealismo-onirismo], vai encontrar uma mistura mais complexa de elementos: painéis humanos amplos, personagens históricos de antanho misturados aos de sua própria época, superposição de tempos, mitologia e/ou misticismo, separados ou superpostos, algumas confissões, retratos poéticos de um tempo, fato, região [Minas, Alagoas, Segunda Guerra , Abolicionismo, Escravagismo], isso e muito mais.


    Nelson Rodrigues, que vc aprecia tanto, foi um "cronista caricato da moralidade burguesa": elegeu mostrá-la, dramaturgicamente [ou seja "via diálogos", tal qual Shakespeare, outro de sua predileção] pelo "avesso de como ela queria se reconhecer/ser reconhecida". Tratou essa equação mudando a ordem das variáveis, em todos os contextos que pôde conceber. Isso é sua "carpintaria dramatúrgico-literária". Sem que ele precisasse viver na carne cada uma das traições, devassidões e derrocadas familiares por ele descritas. Sim, ele as viveu, mas "só" da perspectiva do olho da alma.




    Abração, Vate!

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