domingo, 20 de maio de 2012

MANUEL BANDEIRA E MARCELO NOVAES


MARCELO NOVAES

O Coração das Coisas














E foi porque eu quis acesso ao coração das coisas. É certo. E isso deixou a marca do tremor na ponta dos dedos [e uma lancinante voz ao fundo, como backing vocal de cada sussurro ou silêncio]. Foi porque eu quis acesso que me tornei pai sem filho e pai de tantos órfãos. Foi só por isso. E existe um coro que descende lá detrás; sim, do coro grego e do longo lamento sumério. E foi porque eu quis tocar o coração das coisas [deixando-o talvez intacto] que meu dedo nem pousou, mas treme assim, a dois milímetros de tocar o fundo veio [e a vértebra dorsal do transmundano sonho]. E foi só porque eu quis.

Manuel Bandeira 

TESTAMENTO

O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros — perdi-os...
Tive amores — esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.
Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.
Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.
Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!
Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!
.

3 comentários:

  1. Wellington,



    Vc fez uma conexão atenta. Pela ordem dos nomes no título [como se alguém pudesse confundir...], seria útil deixar claro qual texto é de quem [hoje em dia, tem um monte de gente que não conhece Bandeira, imagina o autor do primeiro texto].






    Abração, Vate!

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  2. Verdade. Virão outros textos teus. Marcelo, seus poemas, não todos, mas muitos, me remetem ao melhor da poesia brasileira de hoje e de ontem. Eu fico boboca de ver essa turma do face e becos e orkuts, lerem o que você escreve e confundirem com o que eles escrevem. Mas há que se fazer justiça aos injustos, Bandeira não é muito popular. Se confunde textos sentimentais (como os meus) e poemas de poetas literários (você). Isso não é desvalorizar nada, ou ninguém. Muito menos sobrevalorizar nada ou ninguém. Mas se todo relato sentimental fosse poesia, não haveria poesia. Poesia envolve criação, maneiras novas de falar dos mesmos. Não existem homens melhores que outros, mas uns são autores de poemas outros são poetas de escrever sobre o que eu sinto mas não sei escrever de maneira a não diminuir aquilo. Gosto de escrever e do que escrevo, gosto pra caramba. Somos poetas no buscar o coração das coisas. Bobagem das grandes. Só um poeta pode pensar tal tolice. Ser poeta é ser tolo. Somos tolos. Você por escrever essa tolice de coração das coisas e eu por me emocionar com isso. Mas o poeta que não busca o coração das coisas, onde ficam seu miolo ou caroço, não pode ser poeta. poderá ser tudo, e muito mais útil ao mundo e a ele próprio, mas nunca entenderáa poesia, nunca saberá porque há os poetas do face e os Marcelo Novaes. Para eles tudo é poesia e todos são iguais.

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  3. Wellington,


    Estamos no lucro. Augusto dos Anjos tinha dois amigos ao morrer. Voltando do enterro, encontraram Olavo Bilac. Disseram a Olavo Bilac: "estamos vindo do enterro do poeta Augusto dos Anjos". "Quem"? perguntou Bilac. Os dois recitaram poemas de Augusto dos Anjos de memória. Olavo Bilac disse: "Era este o poeta?! Já morreu tarde!"


    Assim sendo, em épocas de antanho, eu teria papéis na gaveta e seria lido por uma dúzia e meia de amigos, que é o número de amigos que me são mais próximos. E nada mais. No correr dos anos, passei a enxergar essa questão sob outro prisma, bastante simples: poetas são lidos por poucos, em média. Muita gente já chegou aos meus textos, de uma maneira ou outra. Isso já é surpreendente! :)




    Abração, Vate!

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