sexta-feira, 15 de junho de 2018

O colecionador de medos





O homem é a soma de medos. De perder, de morrer, de não ter ou não corresponder. De chegar, de se ir, de nunca estar e de estando não sentir. De sonhar, de sorrir, de chorar, de inerme. De escolher, de errar, de amar, das mulheres.


O homem é o medo do outro, do nada ou do infinito. Do feio, do normal, do bonito. De si, dos outros, de Deus, do infinito. Da cruz, da paz, do concreto, do  mito.

O homem nasceu livre e se aprisonou, cresceu, tolheu, mediu, ficou restrito. 

O homem é só, é tudo, é indizível.

O homem é a estação final onde foi partida, tudo começa e finda nele, tudo nele se afirma. 

Mas o homem e o  medo são irmãos, são parceiros. 
O homem e um colecionador de mitos e de medos.

quinta-feira, 31 de maio de 2018

A vida









Viver é perigoso, o Rosa o sabia, eu sei, o cara que vende cocaína sabe, o cara que a compra mais ainda. O perigo de se viver é menor que a satisfação de estar vivo, com medo de morrer porque é bom vida, ainda que com o      risco. Eu acredito em algumas coisas, dentre as milhões das que duvido  ou não creio, todas elas não vem de serem certas nem prováveis, nem benfazejas, mas de eu acreditar. Acreditar já é muito. Acreditar é tudo. Não em Deus, não na matemática, não no óbvio, pois os três acima, e sobretudo e sobretodos, são justificados em si. Acreditar no irracional, no que não pode ser visto, no que você não pode dizer, mas se fizer te fará bem e não afetará a ordem nem as pessoas. Acreditar em besteiras e saber que se você acredita nelas, elas não são besteiras. Acreditar que tudo será melhor não, mas que tudo será igual e isso será ótimo porque o que você tem já te satisfaz. Isso não quer dizer que você não almeje ir ao caribe, comprar uma Ferrari ou se curar de um câncer. Isso quer dizer que não conseguindo o que sonhas valeu, vale, valerá, a vida. Imperfeita, imprevista, solitária, doída as vezes, de perdas, de seu fim sabido, mas bonita e boa. Por uma aurora ou um crepúsculo valeria a vida. Os insetos bem o sabem (nos meus escritos insetos “sabem”) todo mundo sente.
O morto, o que nasce, o que está no meio dela, tem de respeitar a vida ou senti-la. Sentir a vida, não como se sente uma coisa em meio a outras, mas sendo a primeira, única, objetiva.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Não houve alegria






No dia em que meu filho nasceu não houve alegria. Houve descoberta, estupor e medo. Houve choro, não saber o que fazer, e mais medo. Ele abriu os olhos e abriu a boca, eu estava com muito sono. Saí para encher a cara, comemorar o rebentar do rebento, mas não o fiz, fui dormir. Como disse, não houive alegria. Eu, ao sair da maternidade só não entendia o por quê de ser pai e não lembro se fazia sol ou chovia. Não houve alegria, houve descoberta, vislumbre, promessa. Houve uma força extra contra o mal que me cerca, Houve o cuidado de saber que Deus existe e dá a quem não merece, a quem não presta, sol e filhos.. O maior dos criminosos pode não ter filho, mas tem sol. No dia que meu filho nasceu não houve alegria, houve gritos, ansiedade, espera. No dia em que ele nasceu conheci o medo em toda sua força. Entendi que o amor não causa prazer, que amar é medo de perder.

segunda-feira, 26 de março de 2018

O quê?




Fiz o tanto que mil não fariam.
Fiz chover onde era estio sempre.
Acordei o sono e fiz dormir o que parecia aceso.
Descobri das mulheres o segredo.
Inventei uma nova dimensão,
Aristóteles, Sócrates, Platão,
desbanquei com minha filosofia.
Fiz inverno o verão porque queria,
e o que é que me falta fazer mais?

Fui de tudo incumbido e dei conta.
Fiz três gols que desancaram Pelé.
Compus rap com Jards Macalé,
Cantei bêbado com Arrigo Barnabé.
Acabou a noitada eu fui pra praia.
Encontrei a verdade e me calei.
Resolvi o teorema de Fermat,
provei o que Einstein só supunha,
mostrei os erros da monalisa.
Sol estava à pino eu fiz-lhe brisa,
o que falta eu fazer mais.

Fiz um rasgo no tempo e nas galáxias,
orientando de novo os planetas,
recontei o tempo e descobri que o tempo
é coisa do passado.
Briguei com um leão amedrontado, tive pena\ e muito não bati.
Só de birra todo Shakespeare reescrevi, pra mostrar como se conta uma história.
Fiz bem mais, mas me foge da  memória, e o que é que me falta fazer mais?

quarta-feira, 14 de março de 2018

Na morte de Stefhen Hawking







Pelo livro que tentei ler, pela doença que tiveste, pela alegria, pela força, por tudo que pode um homem não podendo nada físico, por teu ateísmo que reforça em mim a prova de que há um Deus e que ele te deu força mesmo tu o negando. Valeu, homem gigante. Não entendo tua ciência, entendo tua força. Precisamos escolher, nós homens sem escolha, o caminho possível, que sempre será o da alegria, vencendo o medo, rindo da vida, amando o que resta além do limite físico. Para onde fores que lá não haja descanso. Para ti nunca o descanso foi  sonhado, para mim também não. Deus existe, nisso você errou, no resto acertou em tudo. Não falo do cientista, falo do homem. A grande coisa que descobrirás será agora e não poderás contar a ninguém: Deus existe, fecha a equação, te abrigará. Deus seja contigo.

quarta-feira, 7 de março de 2018

O Homem


sou humano antes de homem, sou nervo antes da carne, antes do músculo, antes de tudo. Eu vivo a vida que me cabe, eu rezo o tanto de minha pouca fé, eu vivo com meu amigo chato, eu não gosto de café. Mas se você quiser que eu beba eu bebo, só pra te ser solidário, depois eu mudo e me viro em maldades. Eu sou homem,tenho um coração bom-malvado, um riso que vem com lágrima, uma lágrima que rega plantas. Como todo canalha é moralista, como quem destrói não sabe construir, como quem vê só os defeitos, padece ele mesmo do que tenta dirimir. Eu sou um homem, não sábio, não santo, não mais que isso, nem menos. Tenho minhas coisas de ruim e de bom, mas sempre na medida dos homens, nunca em outras. A medida do homem é seu cansaço, seu rosto enrugado, seu passado. A medida do homem e o resto da divisão do que fez de bom pelo errado, onde foi o bem e onde o mal causado.

domingo, 4 de março de 2018

CONSELHOS











Entre tudo que fica do tempo, entre tudo que tem passado, entre o começo da vida, seu meio, seu fim inexorável, resta aprender algo que te valha no presente, o futuro e justifique teu passado. Aqui vão conselhos não pedidos que dou de graça (quem por eles pagaria?), ai vão:
Nunca assistir te e achar que aprendeu algo, você assistindo a tal tv fica mais burro e mais intolerante com os que mais sabem.
Nunca pergunte a idade de uma mulher, a menos que seja de sua profissão fazer isso, ou a queira deixar puta.
Diga sempre mentiras ao falar de si mesmo, se você disser que é um canalha, todos se identificarão e lhe chamarão santo.
Vote no Jair Bolsonaro, ao menos que apareça um menos ruim, menos simplório, menos ordinário.
Nunca assista jogos de futebol nacional, por quê quando você vir um jogo entre times da Europa, vai achar que é futebol o que se joga lá, aqui é algo entre tourada com arrastão na praia.
Nunca se ache mais inteligente do que você é, mas se você acha isso de si mesmo é provável que seja mesmo, o idiota é, por destino, um ser humilde, humilde e afetado.
Não dê "bom dia" a quem não conhece; não diga lindo o filho feio do seu \amigo; não diga que bandido tem alguma razão por ser pela sociedade marginalizado. Não seja esquerdista, nem apologista de golpes e militares; Coma quem lhe der mole, coma o que quer, você vai morrer mesmo comendo sucrilho. Ande como um bípede, não de quatro. Tenha ídolos e os ame, mas não exagere, eles erram, eles urinam, eles fedem. Leia João Cabral, Shakespeare, Goethe, e mais uns outros, mas não deixe de chorar ao lembrar o dia que teu filho abriu o olho. Reze e creia em Deus, com dúvida, com descrença, mas sabendo que ele existe. Desconfie de quem não duvida e vive de certezas; dos que falam em nome do Cristo, dos que querem melhorar o mundo, dos que morrem por baleias e não dão esmolas.
Duvidar é preciso, descrer, tentar sozinho, e ao ver que não dá, voltar chorando, pedindo  o abrigo. Preze o que tem, ainda que seja pouco. Quem despreza o pouco não sabe o tano que ele é para quem nada tem. Agradeça por todo dia, noite, chuva, lua, e o que te fez bem. Não peça a Deus o que julgar justo. A única coisa que se deve pedir a ele é mais fé. Bom, já dei conselhos demais, e não tenho autoridade, certo? Errado!
Tenho autoridade para dizer que antes de reclamar da vida, de lamentar, de sonhar com vestidos ou   carros importados, vá a um hospital, um cela, um hospício, um  abrigo de velhos abandonados pelos filhos. Vá ao instituto de câncer infantil e veja lá o recado.
Cuidado com o objeto, com o objeto, cuidado. Cuide de bendizer sua saúde, seus parentes, sua vida. Meça o que pensa mais que o que diz.  O conselho foi dado.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

PARA ELAINE






Treme-lhe as pernas, não a mão. Ela é enfermeira, não poderia tremer as mãos com a vacina aplicada. Aumentaria o medo de quem ela tem pena, e mais penosa seria a obrigação de machucar a filha. Em quem dói mais a picada? Em quem o medo assusta mais?
Conheci-a numa madrugada em que  meu filho chorava e eu pedia a ela orientação do que fazer, ela deu, eu fiz. Agora ela precisa de uma ajuda minha e eu a dou. Como posso, com o que posso. É pouco para quem confunde muitos com tamanhos,somas ou tinir de dinheiro. É muito para ela, sei que é. Ela preza a amizade e Deus saberá o motivo de sua dor em causar dor em quem ama, por não poder evitar, por ter obrigação.
Te dou força, querida, e te aviso que o extremo amor vem depois da extrema abnegação, que o tempo mais calmo é de depois da guerra. Deus cure e proteja tua filha. Força, mais força, e ainda mais. Deus pode te levar ao extremo da dor mas se não sucumbires, ele te segurará a mão. 

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

UM POEMA DE MARCELO NOVAES




É bom para o nosso filho
estar longe da gritaria, brigas,
barulho, vozerio, azul petróleo.

É bom para ele estar perto do
preto e fazer memória; aproximar-se
dos buracos, quando necessário.

[Das fendas, com olhos de aprendizado].

E que cite seus próprios verbos,
construa o calendário contando
senhas e prioridades, semanas e
procissões, outeiros sugeridos nos
Evangelhos.

Que tenha o mapa nas mãos
e alimente animais no cio [antes
e durante], com cheiro doce.

Decifre o gesto do lobo acuado,
antes de sê-lo: discernindo o cerne.

É bom para o nosso filho achar-se
em meio aos esforços de cavar e cavar
e cavar a ferrugem e o cansaço, da pá
até o osso.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Duplo



"Sou um caranguejo de duas bocas, uma age a favor, a outra contra". Não lembro se a frase é de Caetano ou Cabral, acho que do Caetano. Acho não, tenho certeza. Foi no manifesto-poema "acrilírico", de Caêtas. 
Jogo contra e a favor. Me vejo pelo lado mau (com uma voz detestável mas ainda assim veraz, e portanto mais detestável, pois, como diria o poeta-filísofo-maluco alemão: todo homem teme a nudez.
Meu lado bom (e até Hitler o tinha, e sem espanto veja na net se minto, era afável com os seus e adorado por gente que convivia com ele) é o que levo mais em consideração, por quê? Salomão responde numa das frases mais assustadoramente perfeitas sobre o ser humano: vaidade das vaidades, tudo é vaidade. 
É mais fácil escutar a lisonja que o corretivo. Mais fácil tomar um sorvete que fazer exercícios. 
Sou um ser humano de duas vozes interiores, minha consciência do que deve ser feito e a vontade de fazer o que convém. É dessa opção que defino quem sou, se um homem pequeno, se um de bem.