sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Marcelo Novaes


Onde te olha a nuca




Eu sou a tua companhia secreta,
desde a sombra das idades.

Eu sou o poeta dos poetas.

Sou a resposta à tua invocação
por um pressuposto bom.

Eu sou o pressuposto.

Afasto o que te ameaça
a partir de dentro, desde
que me saibas em teu
íntimo.

É só o que peço: que não restrinjas
o meu espaço e me consintas para
que caiba por entre as frestas do
teu desejo por tantas outras
coisas que não eu mesmo.

Eu sou o bem que, por enquanto,
só se vê de longe, ainda que venha
antes e anteceda toda a tragédia
que te constrange.

Eu sou o que vê por detrás de tua
face congelada, onde te olha a nuca,
quando te viras e não vês nada.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

PARABÉNS AO POETA DOS POETAS, O QUE SALVOU DEUS E NEM QUIS AGRADECIMENTO; AO QUE ME DEDICOU (COISA QUE NUNCA ESQUECEREI) O SEU "ESCUDO, ELMO E A SOMBRA"; AO QUE ME DEU DE PRESENTE UMA IMAGEM COMO EM BUTOH OU A FRANJA BRANCA DA LUZ. PARABÉNS POETA!

O FOGO DA SEGUNDA HORA

MARCELO NOVAES




Lá fora, faz-se um fogo 
novo [o Fogo da Segunda 
Hora], que purifica antigas 
sínteses, desestabiliza o que 
é triste e lava [como que em água 
corrente] o coração que sofre [os 
desvios os entraves as serpentes]
e deixa ficar o que é suave. 

O Fogo que mostra [na 
foto, dentro da moldura] onde 
está tua mão [e a mão de quem 
ela segura]. 

O Fogo Iridescente que aquece salas 
e aposentos - realimenta a lâmpada com 
novo azeite. E, na Hora das Vésperas, faz 
dobrar os joelhos e santifica o bem que pode 
advir de um erro ou acidente. 

[Se reconhecido o erro como assim sendo]. 

O Fogo que, no brilho noturno, aquilata a 
fertilidade do húmus e a beleza de seguir em 
paz pro túmulo, sem alarde. 

O Fogo que Vê o que só viu o solitário 
[garimpa rubi e diamante do cascalho], 
consulta o dicionário para fazer brilhar, ali, 
palavra que nunca esteve e que surge, agora, 
uma só vez. 

O Fogo que salva a matéria-prima do 
confisco [distingue o falso do legítimo] 
e faz por merecer [por contraste - de 
tanto arder e arder tanto] o bálsamo 
no sacrifício. 

Escolhe o esmalte mais claro, 
[aponta-nos que o som do estampido 
não é o do disparo], ocupa móveis que 
estavam sós, como jazigos. Esfrega a terra
sobre a lápide e diz que o Túmulo está Vazio. 

[Sem precisar erguê-la]. 

Discerne o cerne da superfície 
[o foco do fogo fátuo, a unha do 
esmalte, a polidez do verdadeiro brio]
e faz a seiva manter aceso o verde no 
topo dos galhos. 

O Fogo que encontra a cura para o Mal de 
Parkinson, distingue o que é insólito [mas bom, 
inaugural, invulgar] do que está na norma [mas 
não precisava, nem deveria estar]. 

O Fogo que sabe que a febre é estágio 
preliminar do convalescer, muitas das vezes
[Ele que aplacou a IRA dos irlandeses] e considera 
a possibilidade de Ed Motta cantar canções folclóricas 
em frente ao Éden. 

Lá fora, faz-se um fogo novo: 
o Fogo da Segunda Hora. 

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

A voz do meu pai






Ele, e não haveria de ser outro, me liga me diz o que todos já diziam e eu não acreditava. Mas não foi o fato de ser ele (o que já seria muito) foi a modulação de voz, foi o carinho, foi como  disse a palavra "filho". Ele não faz nada além de estar no meu coração, e não está em outro lugar que minha alma. Ele é meu pai, eu sou seu filho. Como isso é prosaico, como é óbvio, como chorar por isso? Foi a modulação de voz. Quando fui fazer a cirurgia e tiveram de abrir um pequeno corte em minha testa, ele fez careta e saiu para não ver. O corte (pequeno e um pouco doloroso) o fez sentir minha dor. O que é ser pai senão isso? sentir a dor do filho?

Quando não formos  nada, nem eu, nem ele; quando não houver mais vida, mais pulmões, nem ar, nem corpo, nem nada; Se houver algum tipo de coisa parecida com memória ou leve lembrança do que tenha sido antes de mais não ser, restará a lembrança dele em mim, restará a modulação de voz e a maneira como ele disse: FILHO.

domingo, 15 de outubro de 2017

Malu




Não sei dar "cantadas". Não sei gostar direito. Sei amar exagerado, com quase doer o peito. Quando falo de quem amo, não falo, eu rezo. Então não sabendo amar, amo em demasia, amo como quem sofre o amor que lhe pesa o dorso, a garganta, a espinha.
Sei te dizer algumas coisas, noutras me atrapalho como só os patetas se atrapalham. E quando eu disser de mim pateta, não creia que sou frágil ou com baixa auto estima. Sou o contrário disso, me tenho em alta conta, sabendo que ninguém é mais do que outro, sou eu e vivo no meu extremo. As vezes isso é mal as vezes bom, as vezes é só escudo com que defendo a minha luta.
Não há pena, não há tédio, não há dor. Sou alegria, sou alegre, sou amor. Nem sempre isso, mas nunca o contrário, nunca o avesso. Escrevo, falo, berro e ninguém lê, escuta, ou se irrita, mas escrevo porque  estou vivo e ainda pulsa a vida.

Eu não encontrei a cantada, escrevo um texto pra te dizer: Não sou bom nem mal, lindo nem feio, parte nem meio, tudo ou nada. Não tenho nada especial nem nada me falta, nada me sobra a não ser tempo; Tudo me basta e o mundo é pouco; Sou lúcido tanto que sei quando estou louco. Se não tenho metáfora que valha para te dizer, digo direto: gostei de você.
Das impossibilidades que disse haver não sei se são impossibilidades nem quero saber, só sei que amei te conhecer.

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Dou-te




Dou-te como presente, de mais valor que fosse em preços medido, que fosse tão sem peso que não se saberia pesado ou leve; Que fosse como gelo de temperatura tão intensamente altas que queima quanto queima o fogo.
Se não te dou  o mais prático, dou-te o mais precioso. Não é presente! Entenda bem, o que te dou, não te dou de generoso, nem para te agradar, nem você precisaria ou mesmo quis. Não negocia-se em bolsas, ninguém nunca morreu por falta ou menos ainda de excessos, Podes até não gostar e no fundo nem sequer dou por querer dar.
O que Paulo, tendo tudo e sabendo tudo, dizia ser inútil sem ele.
Pelo que Cristo foi sacrificado; pelo que liga os pólos, que une os contrários, que nunca foi, é ou será esquecido, e que desde de Deus tem sido reavivado. Te dou meu  amor, meu coração.

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Mães, filhos e outros nomes

             Há na lua de Dostoievski, uma mais que lua, senão mais bela mais emblemática.Há no choro da mãe que enterra o filho algo mais que dor, algo mais que fado. É uma dor de perder-se o grito, é mais olhar, contemplar, acima do sofrer de fato. É um mega sofrer, mas a palavra não traduz a dor. A mãe que enterra o filho morto não enterra um morto, enterra a si mesma, enterra-se sem dó e sabendo-se morta. Uma mãe que mata o filho destrói tudo, destrói ele e ela. Por ser mãe perene, não dó na primavera. O filho que mata a mãe é  dos mais sujos assassinos, mata quem o gerou, o que fez dele um destino. Filhos não devem morrer, mães não devem matar, filhos não podem xingar. 
O filho xinga a mãe, a mãe tenta não gostar do filho, o filho nega o amor a quem não lhe deve nada e a quem ele tudo.  O bebê não morre no homem, com 30,40,42  precisa de colo e abraço. De ninho, de amor. 

O pai que diz ao filho "vai com Deus" diz como quem fala, uma coisa pensando outra. Quando digo a meu filho: vá com Deus, não quero dizer isso exatamente, quero dizer: vai com meu filho, Jesus e traz de volta meu coração. O filho de um bêbado, de um decaído, de um assassino ou ladrão, não foge a sina do amor, da sina de de onde veio o nada a ser tudo.

O amor precisa ser ressuscitado e ter outo nome: mãe!
O respeito pelo outro deve ser ressuscitado e ter outro nome: Pai!
O mundo deve respirar outro ar, que deve ser chamado: Bem!

domingo, 24 de setembro de 2017

MARCELO NOVAES

       









Eu, o vate cor-de-abacate, assim cognominado pelo poeta dos poetas, o homem que salvou Deus enquanto este se afogava; escreveu "o escudo..." e a mim dedicou, venho dizer com a convicção dos profetas e a certeza dos meninos.
A cura do mal de parkinson virá! Será não por investimentos pesados na pesquisa mas por Marcelo Novaes ter escrito que já estava na hora da descoberta da cura do mal, em seu recitativo de páscoa.
Aprendi com Marcelo Novaes muitas coisas e não tenho dito isso. Marcelo, aqui  vai minha retratação, meu abraço. Fui no teu blog e vi coisas lindas (sim, Marcelo, o considero ainda o melhor poeta vivo, embora já não existam mais poetas).
Por qualquer razão que me afastou ou que te afastou, saiba que a admiração continua. Disse uma vez que se você me desse um soco eu te teria ódio mas à tua poesia é, foi e sempre será lembrada, lida e respeitado por mim.
Muito do que escreves me faz chorar (exatamente!!) O butoh; o escudo; o poema que fala de fulminar de azuis; o que você dedicou ao rosa, enfim, são tantos. Alguns desses deveriam estar em livro. Você é um injustiçado (sei que não gosta desse papel, mas é.
Você escreveu um poema lindo sobre o sorriso de uma menina. Você é foda!  Te admiro pra caralho. Fica com Deus e se não me engano, fazes aniversário este mês.
Sou o vate e tenho disso muito me orgulhado. Não pelo título, pela insígnia. Fosse presidente da república teria desprezo pelo "parecer" do cargo. Para mim o que importa é ser o  vate. Se isso não parecer muito a quem seja meu interlocutor, digo: Não foi dado o título por um qualquer especialista em qualquer ciência ou vida. Foi dadopor Marcelo Novaes, o poeta dos poetas; poeta de antanho-hodierno, poeta de verdade daqueles que não existem mais.
Um abraço, vate.

sábado, 23 de setembro de 2017

Aprender com Dostoievski







Dostoievski, segundo Nietszche, foi um dos psicólogos que respeitava (o outro - e só eram dois- foi Shakespeare) escreveu "O jogador" em que narra a psicologia do jogo e toda a irracionalidade que resulta em um compulsivo. É difícil imaginar o sujeito conhecer tanto a psicologia e os desdobramentos em um comportamento vicioso e ser vítima ou aceitador do erro. Dostoievski era um ser viciado em jogo e com uma doença neurológica cercada de mistérios e superstições que existem ainda hoje e àquela altura eram maiores. Tenho compulsão por jogo e ando tendo alucinações. As semelhanças acabam aqui, para bem e para mal. Ele foi um dos maiores intelectos que o mundo viu surgir, eu escrevo abobrinhas no facebook. Mas a associação entre o anão e o gigante deve ser útil nesse momento para mim.
Ivan Karamazov, personagem dostoievskiano cujo intelecto era reputado pelos seus pares, embora nunca dissesse palavra que justificasse tal sabedoria durante todo o gigantesco livro, so falando ao fim do terceiro volume, no fim e sob alucinação. O livro narra o assasssinato do velho Karamazov, o pai, que é cometido por um de seus filhos. Um (Ivan) acha que matou, o outro (Dmitri) é julgado e condenado pelo parricídio que não cometera. Houve o tal parrecídio, só que cometido por Smerdiakov, filho bastardo do velho. Todo os livros de Dostoievski poderiam ser categorizados como lutas do bem contra o mal. O bem representado por Cristo e o mal por personagens que são falsificadores de satanás (piores portanto), são "os possessos". Uma outra característica que me diz muito neste momento de me tratar dos efeitos que minha medicação causa é demência de Dostoievski. Seu histrionismo e exagero na construção de personagens que são irreais demais para serem personagens somente e que, vejam só, tornam-se reais para além da realidade. Surreais, portanto.
Saber como funciona o raciocínio de um alucinado é útil e me apazigua. A alucinação não é uma palavra feia (não existem palavras feias) e nem é falta de caráter. Falta de cárater é não reconhecer erros, é não aceitar ajuda alegando que não precisa.
Dostoievski era um ser atormentado entre um cristianismo ferrenho e uma ligação as coisas que Cristo pedia desapego. O vício dele era maior que o meu, sua alucinação (como a lucidez) era maior que a minha, mas ao passar pela terra com suas mazelas e vícios fez espolcarem fogos e gerou uma luz para o mundo que eu não posso nem sonhar. Não posso tudo mas posso aprender com o mestre russo. Aprender que um  homem é mais que mazelas e doenças. Aprender que um homem tem sempre a aprender com Cristo. Aprender que nada é vergonhoso se não se faz por deliberação. Aprender a controlar o negro do cérebro com  o alvor do dia. Aprender que teimosia e inércia andam juntas e que disposição para melhorar nunca piorou nada. Aprender que o bem só emana de Deus e o mal vem de todo canto. Aprender que ninguém está morto se ainda pulsa a veia e você sabe disso. Aprender que os erros dos gigantes ensinam mais que o dos pequenos pelo motivo óbvio. Aprender que Ivâ karamazov era um canalha; Dmitri era um canalha; Smerdiakov era mais que isso porque matou. Aprender que a grande frase de Ivã: "se Deus não existe tudo é permitido" é verdadeira, mas absurda e ilógica por partir de uma premissa falsa. Aprender que o vício leva ao nada, é o câncer dos costumes. Aprender que o que reputam de nós é nada e o que somos é tudo.

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

DE NOVO O BOLO DO VASCO





Se tudo termina (e tal  como está, haverá fim) penso que o que me dá rejúbilo agora, me dará no meu fim.
Não penso em mudar o mundo, mudando meu caráter já deu a conta, exercendo minha função de se gastar com o tempo mas sabendo que o que puder viver, viver ao máximo, não falo de anfetaminas (isso é viver o mínimo) , não falo das grandes mansões nem grandes carros (os quereria se pudesse, os admiro por não poder) Essa é a questão primeira das primeiras questões: O que não posso, admiro. O que posso, faço.
Os iconoclastas de Stalin tem meu amor, apoio, desvelo. Os iconoclastas em geral, que a tudo vejam com inveja e agem  assim  por não saberem erguer estátuas, me dão asco..
Viver admirar. Ponto! admirar o rosto lindo do sobrinho de Elaine e sua arrogância, sua espantosa comoção diária de sua beleza. Admirar o pitão gagão e sua tez , e sua voz, e sua irritação, e seu dormir, e os dedos do pé que quase perde, a alegria de uma nova vida, refletida no filho de meu amigo-irmão, André carvalho. O baralho traçado por meu pai (cuja beleza não está no gesto, está em toda uma vida de amor aos filhos. Quando eu era pequeno (e isso não conto sem chorar) meu pai passava um aperto de jó. Era aniversário meu e eu nem sonhava que teria bolo (inferia, pelas conversar dentro de casa que a coisa não tava boa) pois bem, teve bolo. |O| bolo era com um desenho do vasco. Comi  o bolo com as a garganta seca e sem mesmo vontade de comer. O bolo do vasco não era bolo. Como coisas que só tem nome de coisas mas que no fundo possuem nome falso.  O bolo do vasco foi o amor comido e seu nome não era bolo, era Pai. O bolo do vasco não me lembro  o gosto, o bolo não era nada, estava ali como símbolo, estava ali por estar. 
Não que o bolo fosse ruim, e ainda que fosse ruim, e mais, ainda que fosse de sal com pimenta, isso importaria nada.
O que aprendi com meu velho (falta muito a aprender) é que as coisas tem nome falso. O bolo não era pra se chamar assim. O nome do bolo é ternura, o nome de tudo que resta (e resta muito) não é presente, é união.
Amaria o meu pai sem o bolo,  mas com o bolo amo-o mais. Não pelo gosto do bolo, pelo gosto do amor. Sim, amor tem gosto, cheiro e gesto. Se afetação não é amor, se é amor é tudo.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Sobre o gostar






Ao fim a ao cabo, viu-se o destino que tomara aquele ser. Ele, cujo futuro parecia sombrio (visto que pródigo quanto promíscuo) seguiu a sua vocação, sina ou karma. Não se esperava nada dele e ele nada fora. No seu enterro havia poucos,  párcos e enfadados, que retorciam a fronte ante defunto morrido em dia tão inconveniente. Nada de filhos chorando, nada de mulheres carpindo. Só o desejo de enterrar-se o morto, de ver-se livre daquilo. Eis que algo desfaz a pasmaceira do evento. Um grito de dor, um forte lamento. Uma voz sincopada afetando ser de uma mulher, era um traveco. 
Ele que fora amante de tantas mulheres, que fora rei das putas e casadas e das donzelas enternecidas; Que usou ópio, cocaína, que cultuava ayausca, que desperdiçou no jogo, na bebida e em orgias e bacanais, que tão generoso fora para as damas de todas as classes, idades e suscetibilidades, não teve um  choro mais do que o de um travesti.
Curioso é que ele (agora morto, agora nada) nunca fora agressivo com as mulheres, mesmo as mais estouvadas e perdulárias; As mais caprichosas e cheias de manias ele devotou uma serenidade de cordeiro. O travesti foi o único (a) que lhe sentira o peso da mão. Apanhou na cara, com a mão aberta (que era uma maneira de humilhar-se ainda mais a quem se infringia a bofetada. 
O travesti, cujo nome nem se saberia, o chorava e soluçava, beijava-o como pai que beija filho morto, como mãe de soldado em partida para a guerra. Beijo de quem quer entrar na carne, de quem quer ir junto (para o chão ou para guerra). 
Isso não conto por relevante e nem quero extrair moral ou dar conselho. Só querer dizer que de onde vem o amor, do que se alimenta e onde alcança, não se sabe, não se saberá, nem se tem respósta. Só se sabe que gostar não é dizer que gosta, é agir com desespero ante a pessoa morta.