sábado, 23 de junho de 2012

MEUS DEFEITOS

É sempre de madrugada que fico terno, que tenho paz, que sinto o que digo e fico menos medroso e covarde do que sou. Por isso, como gatos e morcegos, prefiro o deserto de pessoas, pressas e falas que é a madrugada. Vem agora, e já são três horas, um tédio de meus ridículos, um asco dos meus defeitos. Sempre os mesmos, nunca sanados. Os meus defeitos são tantos quanto meu desespero em amenizar-lhes, ou o contar-te rindo ou com gracejos para serem (parecerem) menores, ou que você os ache qualidades. Sim, exato. Tenho algo em mim disso, enganar as pessoas fazendo coisas mesquinhas serem riso. Meus defeitos são tantos e sem "mas" nem "por quês" que seria melhor não serem ditos. 

domingo, 17 de junho de 2012

DO JEITO QUE ESTÁ













Fará 64 anos e eu peço a devida vênia ao tempo para dizer que de minha parte ele venceu o espaço medido cujo intervalo é mensurado em dias, ou semanas, ou anos. É eterno. será extemporâneo ou atemporal, como um baião de Gonzaga, como em Recife o carnaval; como em mim o amor por ele, como do mar o sal. Sim, é ele, é de novo, mas como não seria? ele fará aniversário, será como sempre, será como antes, talvez eu até durma, talvez eu sinta tédio, mas nunca, nunca, nunquinha, eu posso não amar o tal dia. O ambiente é sempre igual, as pessoas,  a comida, e aniversariante-ora, ora...- é o mesmo, porém, ah porém... Dia 26 meu pai fará aniversário, 64. Mas sempre achei-o um velho. Quando eu tinha 10 anos ele tinha 32! Mas não gostando do tom explicativo retomo o sentido do que quero. Bobo é quem tem medo de parecer ridículo, como um palhaço que se sentisse ofendido por ser chamado de palhaço, ou um gato que se pretendesse tigre. Sei o que sou, o que tenho de bom, o que tenho de mau, e o que não sei definir. O gato que se acha um tigre não incorre no erro de se querer-se acima do que é, isso não é erro. O erro advém do esquecer-se de ser gato, de esgotar os recursos que tem, de não perceber que o tigre não é melhor que o gato, é maior, só e maior. 


Filosofia vagabunda?


Só conheço filosofia vagabunda ou grega. Quando os gregos se foram, e já faz uns três dias isso, restou ao resto o resto. Mas o que haveria para ser dito depois de Shakespeare? o que foi dito: nada! 


Sim, ele fará aniversário. Dia 26. O quanto eu posso eu digo que o amo. Que sempre falarei do amor por ele. Que o que possa parecer exagero, e talvez o seja, e pouco me importa. Amo-o. Nunca mostrei nada que escrevo a ele. Nosso amor não é chato, nem melífluo. Vendo-nos alguém diria: onde está o amor deles? e teria razão. Implicamos um com outro, em tudo. Ele está sempre errado. Melhorou muito sua visão em política.


Não, nunca nos amamos pelas qualidades uns dos outros. Amamo-nos por sermos pai e filho, porra! que mundo idiota de porquês. Eu não sei onde nem como o mundo acabou. Já faz tempo, eu nem  nascido era. Creio que foi alguns anos antes de 75. Sendo meu pai abandonado pelo pai, resolveu ser o que é. Como sou anacrônico como o amor de um filho pelo pai, e deram aos idiotas o direito de se manifestarem, vai aqui meus parabéns ao meu pai. Sem mais. E viva muito, seu Luís, do jeito que está: com saúde, bonito, amado. 

terça-feira, 5 de junho de 2012

UM BAIÃO DE GIL





Ela diz que traição não é deitar, fazer amor. traição é como quando Fallstaff olha pra Henrique e sente gelar a alma, no livro de  Shakespeare. Mas a traição é uma coisa ainda mais sofrida, se o mesmo Shakespeare é representado por Kenneth Branagh (acho que é assim) A traição nunca encontrou um rosto como o desse ator Shakespeariano. A traição que o olhar de Henrique lança sobre o de fallstaff é a arte levada ao lugar onde ela deixa de ser arte e passa a ser vida. Quando você sentir coisas que não pode descrever por estar estupidificado com umas palavras em papel, tais as de Dostoievski, em noites brancas. Quando ler Hamlet (todo) mas sobretudo a parte em que ele fala sobre a morte. Quando você vir o beijo de Corisco em Dadá no filme de Glauber, ou o olhar do filho que carrega o caixão paterno, no blog do Marcelo Novaes, ou a desilusão-sarcástica de Brás Cubas, ou um sertão de um pistoleiro absolutamente genial, ou ler o ferrageiro de carmona, do poeta da cara de pedra, ouvir o chorar incontido de Caetano Veloso na morte de Tom Jobim, querer abraçar os cachorros e beijar todo mundo (isso se deu ontem, comigo, escutando Oswaldo Montenegro) e mais no âmbito familiar, e esse você não pode ver, peninha, mas haverá os seus ardores amorosos familiares, todos tem, poucos percebem. Eu percebo. Por isso percebi quando meu pai cantou assum preto pra miinha irmã, e isso vai comigo pra onde eu for. Pra onde eu for vão comigo os mesmos blablabás de antes, inclusive, como não?! as pontes. Eu não posso esquecer o que me deixaria sem mundo, sem referência. Tudo que arte pode o mal não pode. Se você for ao centro de Recife, no pátio de São Pedro, ver o maracatu e não se arrepiar. Dentro da ilha de itamaracá, ainda com poucos anos, uns 18, eu ia pra beira-mar à tardinha, ficava lá, ficava lá. Eu não sou exemplo, nem nada demais, mas se não degenerei, se sou consciente que o mal deve ser evitado, ainda que o pratique, isso se deve as coisas que associei ao bom, a Deus. Eu não devia escrever tanta bobagem, mas isso não é blog pra instruir, nem pra nada. É como na música de Gilberto Gil: Só que esse canto que eu canto é pra de zen. Não tem sentido, não serve pra nada e é  pra ninguém. Pra ninguém botar defeito e não ter porém.

domingo, 3 de junho de 2012

OS QUE NÃO PODEM SER QUERIDOS POR MIM







Tem gente que não gosta de mim. Eu aceito, embora discorde.
uns adoram Renato Aragão, bananada, novela, programa de auditório, piada, conhaque, o flamengo, falar da  vida alheia, e apanhar.
Tem cada gostar incrível. Desgostares comprometedores: meu primo disse que Shakespeare não era isso tudo.  Uns dão, outros comem. Uns vem, uns rezam.. Há os que gostam de chá, os que não gostam de gatos e criam lagartos! Uns pintam, uns bordam, uns em bordéis. O que cara que é padre, o outro que descobriu que Jesus é uma lenda, e mais um que ele é Jesus. 
Minha irmã não gostou do Rosa, tem muito eleitor de Lula, milionário fazendo greve, médico com medo de sangue e gente que já viu saci. Gente que se gaba de ter matado outras, outras que se acham sempre certas, outras que sempre acham que tudo vai malograr. Como tudo tem seu peso e medida, cabe a Deus dar razão a quem tiver. Desde que não infrinja os códicos, não me apoquente, nem me queira como amigo, o cara pode tudo. que seja feliz assim.  Mas aceitar não é concordar. Guardo meu juízo e comigo tá perdido quem: vir forró e não dançar; baixar a guarda para  a vida; não parar pra ver o mar; perder tempo com o medo de o tempo passar;poder dentro e ir por fora, não por que quis contrariar, mas só pelo medo de fracasso. 
Se o cara leu poesia e não gostou, baixa a cabeça pra qualquer um, viu a ponte e não amou, viu o bom e foi pro mal,  não provou e achou ruim, ou achou ruim mas disse bom, viu Romário e nem ligou, ouviu Cristo e discordou, teve o céu e reclamou, saiu do inferno e não esqueceu, não chorou por vergonha, acha que bom foi ontem  que o presente e futuro são mais um suplício a superar, eu posso até respeitar, mas não pode ser amigo meu.

sábado, 2 de junho de 2012










Ruim não é se calar. Ruim é querer falar sem poder.
O que chateia um pouco, não mais que isso, não é por não estar. Eu poderia ir. Mas indo quero como foi, não como é. 
É hoje a abertura do são joão do meu lugar. A cidade fica linda, tudo fica melhor. Não vou estar lá. 

quarta-feira, 30 de maio de 2012

SAMPA HOTEL. OU: O FIM DA VIDA.









Li  "Sampa hotel" no blog  do Marcelo Novaes e adorei isso, porém (quase nunca uso esta palavra) li um outro que me pareceu imediato e mais pessoal "O coração das coisas". Talvez a preferência pelo segundo se deva mais ao meu argumento que virá do que outras coisas (porém, talvez, será... oh! desse jeito  a coisa não vai) Ou toma partido ou se cala. Tomarei.

"Sampa hotel" é  o que não se espera ler em um poema. Contém palavrões e violência verbal que um leitor de poesia não gosta muito. O leitor que não sabe o que é poesia. E o que é?
Como o príncipe de Elsinore, digo: o mundo está torto, porquê tem de ser eu a consertá-lo?

1º poesia não é busca de verdade, mas de beleza, embora uma conduza a outra inexoravelmente.
2º poesia é amoral.
3º não há nada transcendental em poema nem no ato de escrever um.


Convencionou-se por pura tolice que tudo de "sujo" ou que se valha de uma linguagem que se sabe comum nas ruas mas que finge-se não existir. Que coisa chata esse texto! (o meu) Poesia não é para ajudar ninguém, nem para função nenhuma. Não tem utilidade prática, como não tem a própria literatura. Mas quem lê qualquer outro gênero literário não exige (pelo menos com o grau que se exige do poeta) um certo bom-mocismo, uma assepsia, uma sacralização da escrita. Com o tempo o poeta passa a ser lenda e é esquecido como escritor. Veja só, alguém já ouviu dizer  que Fernando Pessoa era um gênio? ou Camões? ou Drummond? nunca se chama um poeta de gênio, por  razão simples: poetas não são inteligentes, brancos, pretos, veados nem ateus. Poetas são poetas.


A um poema cabralino que compara o ato de escrever ao de defecar. Um outro de catar feijão. Um poema do mesmo Cabral, genial, mas como eu e Marcelo, não mais que um poeta, que versa sobre um ovo de galinha; um outro sobre o número quatro. Cabral compara uma mulher com uma égua "estudos para uma bailadora andaluza",  é impossível discordar da beleza dos poemas. E muito menos de serem deselegante ou sequer chegar a nenhuma instância de grosseria.

"Sampa hotel" talvez nem seja um poema. Seja um conto escrito por um poeta (o que vem a dar no mesmo-ou mesma-) mas tem o soco no olho da verdade dada à luz do dia, que é quando a verdade é mais doida, mais vista. Há o lado da vida bom e o mal, e tem o pior que isso. O mundo dos loucos,  dos poucos,  dos foram fundo e não sabem que estão lá. Que nunca sentem o que são, que não lembrando o bom do sol, perdeu-se em noite eterna. Não falo de gente estranha, conheço-as, tive-as perto. Não falo como "um Limpo", sei do lôdo e tenho meus Pântanos. Mas o triste dessa gente do poema-conto é que não sabem que estão caídas. Isso é o pior. Para mim isso é o fim da própria vida.

sábado, 26 de maio de 2012

MARCELO NOVAES

 

 

 

 

 

Sampa Hotel














Trabalho nunca foi meu forte. Pode anotar aí. Eu quero ler a entrevista e quero a entrevista gravada, pra vocês não falsearem nada do que eu digo, beleza? Não quero saber de ouvir minha música tocada em três acordes, como se fosse Michel Teló. O negócio aqui é Ivan Lins.



Retomando a pergunta, gosto de dormir em hotéis. É mais prático. A última grana que ganhei foi suficiente, agora posso me dar ao luxo de dormir nesses hotéis do centro. Adoro o centro de São Paulo. Onde Plínio morava antes de brincar de ser burguês. Coloque aí Plínio Marcos, senão vai parecer que o burro sou eu. Isso: o dramaturgo do báculo e do terno puído, com sandália de dedo. Na Teodoro Baima, ele já morou. É desse centro que falo, do autêntico. Não falo de Paulista, falo de Consolação aqui em baixo, no centrão. Falo onde Santa Cecília quase se encontra com Higienópolis, o supra-sumo do luxo, ali quando a madame chora ao ler na correspondência do correio que seu CEP é de Santa Cecília, quando ela pagou preço de apartamento em Higienópolis. É quando eu rio. Assim, tipo Baronesa de Itu. Eu sei que tem uns nômades urbanos passando por lá, desalojados dos seus planos. Sacou do que eu falei? Estou falando do urbanismo descentralizador da cracolândia, lá mesmo em Santa Cecília, Marechal Deodoro até a Estação da Luz. Marechal Deodoro, isso, o metrô.


Não vai errar no mapa não.



Como eu ganhei dinheiro? Arrumando uns caras trinta anos mais velhos. Isso, eu já tenho mais de cinquenta. Limpando a bunda deles, convencendo os senhores que sem mim nenhum familiar estaria por perto sequer para lhes dar um copo d’água, coisas do gênero. Sim, arrumei dois assim pelas bandas de Santa Cecília, por ali mesmo. Não vou entregar os caras por “ética profissional”, digamos assim. Claro que pode colocar entre aspas. Há aspas na minha voz, preste atenção, cara. Limpando a bunda e dando água e outras gentilezas, convenço os tais senhores a mudarem seus testamentos, deixando de fora os parentes ingratos, os mal agradecidos. E eles chegam lúcidos ao cartório, claro. Tudo com testemunha e firma reconhecida. Coisa limpa. Tem um cara que trabalha comigo, um pouco mais novo do que eu. Os coroas costumam chamá-lo “menino”. Não, não revelo a idade. E meu nome é codinome, que fique registrado. Não vou dar ponto ao seu exibicionismo, nem munição pra familiar de defunto.



Beleza. Fazendo quase uma dezena de defuntos desses, eu me garanto. Já tenho jazigo conjunto, com documento falso, com grau de parentesco com um dos falecidos. Sim. O enterro também está garantido. Então eu ando pela praças, tomo minhas brejas com as putas das praças, e elas gostam de mim enquanto posso pagar. Praça Julio Mesquita, Largo do Arouche, Praça Ramos e adjacências, seguindo lá o viaduto Maria Paula, lá no início da Brigadeiro Luís Antônio. Sim. Lá no baixo, perto do marco central. Coloque aí que eu sou um cara nostálgico.



Bom, quando eu circulo por essas plagas tradicionalíssimas, tem bastante nigeriano entrando em portinha, saindo de portinha, tudo com relógio de ouro, tudo com cordão de ouro no pescoço. E os caras falam bastante em celular, falam em nagô que não são bestas nem nada. Sim. Também molham a mão de alguns polícias, por isso você os encontra naqueles restaurantes tradicionais do centro, almoçando às cinco da tarde, fazendo negócios. Tomam água mineral, quando não almoçam tarde. Ficam só negociando, sem chamar a atenção, pra quem não dá atenção. Ficou claro? Claro que eles têm suas festas privadas, alugam espaços de lazer, chamam angolanos que trabalham na mesma firma, essas coisas. Ninguém é de ferro. De vez em quando, vão em pares ou trios, nunca sozinhos, nas boates lá da Augusta, falando de negócios entre si, às vezes em francês, quando imaginam que as meninas não irão entendê-los. Além do que, muitas podem entender que não faz diferença nenhuma. Têm os rabos presos, estão outra ponta do mesmo negócio. E na hora da festa, com elas, eles falam a linguagem universal do amor e do dinheiro. Vai colocar aspas no amor ou não?



É. De dia eles compartilham mesas vizinhas, quando bebo cerveja com minhas negas e minhas minas. Profissas. Prefiro os travestis da Rêgo Freitas, Bento Freitas, Praça da República, Major Sertório e imediações. Alguns ficam embaixo do viaduto, embaixo do minhocão. Não faça trocadilho infame, vê lá. Prefiro essas fêmeas por opção, porque travesti é isso. Gostam de homem pra caralho, são fêmeas turbinadas, com mais pegada, e nunca fingem que gozam. Pode colocar aí todas as vantagens que eu enxergo nos travecos. Só essas, as mais elegantes, que não quero o impronunciável no seu jornal, justamente no número de estreia. Valeu?



É. Tenho uma namoradinha bem jeitosa, na região. Não entrego nem o codinome da trans. Não quero encheção de saco pro lado dela, nem azaração. E não tem trocadilho nenhum na primeira expressão. Gosta de mim pra cacete, isso eu te garanto. Não preciso encher ela de grana não, só dar carinho e pagar o hotel. A gente se vê sempre. Ela faz ponto lá, mas aviso no celular que quero vê-la, digamos assim, e a gente marca a qualquer hora. Amor sincero.



Ela tentou com garota, antes dos hormônios. Tem um filho de doze anos, que não vê. A mãe da garota, hoje uma mulher, cuida. Isso, quase ex-sogra. Se ela aparecesse pro filho seria bizarro, uma mãe-pai, um pai-mãe. Melhor poupar a criança, melhor poupá-la. A mãe não abre mão da maternidade. Claro que eu assumiria a paternidade ao lado dela que é o pai. Você está me chamando de mau caráter? Mas veja que a situação é bastante complicada, fora dos manuais. É. Hoje tem muita coisa fora do manual. O amor não cabe nisso.



Bom, você está interessado nos nigerianos. Se eu vejo cem deles em poucas quadras, entrando e saindo nas tais portinhas, como que a polícia não vê ou não faz nada. Eu já dei a entender, ou ainda mais do que isso, que a polícia vê sim. Mas prefere ignorar, levando um troco caprichado. As portinhas mudam segundo a ocasião: de fliperama a bar com maquininha caça-níquel ao fundo, num corredor lateral, geralmente numa entrada falsa perto do banheiro. Ou abaixo. O que? Se tem muito bar com essas maquininhas por aí? Você quer zoar comigo. Fala sério.



Certo. Na Barão de Limeira, Barão dos Gusmões, Júlio Mesquita, Rua Vitória, etc e tal, no “Cachorro que Chora” [é a maneira de eu chamar um restaurante da área] eles têm mais presença do que eu, claro. Dormem nuns hotéis três estrelas, onde estrelas dormiam outrora. Não deixa a frase de fora, porque prova que eu tenho sensibilidade e boa memória. Amo essa cidade que me deu tudo. Então, os caras “afros puro sangue” são boa pinta, dão caixinha alta além de bons cachês, pagam conhaque e bebida quente, essas coisas. Eu só bebo breja, só pago breja e rabo de galo para as mais afoitas. Os afros boa pinta nem precisam aprender português, sabe como é. Bebida quente deixa a fala mole. Fica-se poliglota. Até as analfabetas entendem.



Revitalização do centro? Está cheio de vida no centro. Depende do que você considera revitalizar alguma coisa. A cidade não está moribunda, não precisa de ressuscitação, entende? Não tem essa. Também não existe “vida clandestina”. É vida ou não é vida. Precisa ser vida registrada? Precisa bater ponto pra ser vida? Precisa de carteira assinada? Qual é o nome mais justo pra namorada que falei, a da Rego Freitas: seu nome de fêmea, ou seu nome de certidão? Não me vem com essa. Eu sou Plínio Marcos antes de sua conversão burguesa.



O que eu gosto de ver nas horas livres? Você está pondo aspas nessas horas livres, ou está me tirando? O negócio é o seguinte: todas as horas são livres pro cara livre. Eu gosto de andar nos Campos Elísios, gosto das pensões da Rua dos Andradas, Helvetia, Alameda Glete e imediações. Gostava de visitar um delegado na alameda Nothman. Nem sei se lá ainda tem delegacia, estão fechando tudo. Estão emparedando portas em nome de alguma suposta decência. E quero frisar, coloque aí: estão fazendo isso, se for este mesmo o motivo, com atraso de décadas. Nos anos oitenta eu já levava mina em hotel na Luz pra fumar pedra. E o dono do hotel era polícia. E as viaturas faziam vigília nos quarteirões em torno, não na boca. Está visualizando? Então é isso.



Já falei que sou nostálgico, do tempo de sair na mão com camarada desafeto. Nada de arma de fogo pra coisa pouca. Minha nostalgia é de Ademir da Guia, Domingos da Guia e Quinzinho, Rei da Boca, morto depois de cumprir pena, apartando briga. Morto na ponta da faca, em briga de terceiro. Pode por aí que ele é meu herói. Lenocínio devia ser o artigo do cara. Cafetinagem. Se ele tratava bem as meninas, não vou julgar o cara. Não sou Pai, Filho ou Espírito Santo. Coloque com maiúsculas, porque falo com respeito, e não quero gracinha nem gracejo fora de contexto.



Você não viu Pelé nem Zico, que eu vi já adulto, então não sabe o que é nostalgia. Pra você, futebol é a partir de Ronaldo, ou Ronaldinho. Ah..., agora você me fez uma pergunta inteligente: como, com tanta nostalgia, eu posso me fazer com caras trinta anos mais velhos do que eu? Perfeito. Gostei dessa. Justamente porque sou nostálgico que falei em trinta anos. É. Bem mais de cinquenta, beirando os sessenta já. Isso foi no início de carreira. Antes do lance do amor testamentário, eu vendia muamba. Garoto novo, não tinha estômago, esses escrúpulos e frescuras pós-adolescentes. Comecei já maduro no ramo. Hoje, me insinuo pra caras vinte anos mais velhos. Compro as fraldas geriátricas, dou banho. Guardo as notas das fraldas geriátricas. Se o cara for internado ou morrer antes de queimar o estoque, tento trocar na farmácia por coisa útil pra mim mesmo. Ou revendo. Mercadoria lacrada e em prazo de validade. Não se desperdiça investimento, e o tempo é o principal deles. Mesmo isso aí que você chama, sarcasticamente, de tempo livre.



Conquiste primeiro sua liberdade, falou? Vai gramar uns vinte anos trabalhando nesse jornal pra juntar algum.



Foi suficiente? Quero a entrevista na íntegra, valeu? Como eu falei: música de Ivan Lins. Uns quinze acordes, no mínimo. Quero conferir todas as nuances éticas, e minha memória urbana. Inatacáveis. Quem não me apreende com justeza não me faz justiça. Pode colocar aí. O provérbio é meu. Se tiver algum erro de redação é teu. Língua falada não tem ortografia.http://prosaspoeticas-marcelo-novaes.blogspot.com.br/

quinta-feira, 24 de maio de 2012

O TIME DO AMOR












Falta muito, você não faz idéia, um oceano de oceanos, pletora de pletoras, infinidades de infinitos. Não, não é que falte, nunca será, nunca se dará. Então baixe a bola (ou o facho)) recolha o sorriso, modere a alegria, não me verãs por baixo. E vai sem rima, vai à seco, como o cante de Cabral, como o choro de ontem. Sim, houve isso. Se te agrada, houve tristeza, minha, de meu sobrinho, de meu filho. Quer mais? ao escrever isso, ao saber que não haverá jogo do nosso VASCÃO quarta-feira, que não... faz um tempo que não choro assim. O branco ressona e eu tenho de cobri-lo. Ele está com a camisa do time do pai dele. O pai dele torce pelo Vasco pelo amor do pai do pai dele. Na sala as camisas do Vasco estão penduradas na estante. Os fogos que soltaríamos não se fizeram ouvir, e eu deixarei meu menino faltar aula amanhã. Quando ele foi dormir me perguntou com a voz embargada: vou pra escola amanhã?  eu lhe disse que não. Eu deixava ele faltar nas quintas depois do jogo da libertadores. O jogo do dia anterior terminava tarde. 

Já clareia e o meu chorar cessou. Pois é, rapaz, meus olhos não são rios, minha crista não baixa. Não baixou nem baixará. O jogo foi perdido, o riso adiado. Talvez fosse nem riso, fosse chôro de outro modo. Mas fica disso tudo uma coisa que é tão grande quanto uma dor de vascaíno: o amor de um pai para um filho. Um saber que não precisamos vencer para sermos pai e filho. Ontem  fomos dormir sem muitas palavras, e quarta não terei o prazer de ver os despropositados e impertinentes comentários do pitocudo branco. Acabou o nosso sonho de bicampeonato, de chegar ao topo. O que nunca acaba ou acabará, é o amor pelo VASCO se ele perder ou ganhar.