domingo, 25 de dezembro de 2011

MARCELO NOVAES







O nome deste blog é este de acima por ser uma qualidade minha  (são  essa e umas duas, o resto é defeito) saber admirar. Esse poema me causa admiração. A coisa mais idiota que se pode dizer de uma obra de arte é o tal: "EU GOSTARIA DE TER FEITO". Eu não gostaria de ter escrito este poema, como não gostaria de ser outra pessoa. A admiração é o reconhecimento das qualidades alheias, não o de suas impossibilidades. Sei o limite do que posso, sei o que posso ser com isto, sei onde amar o belo preto sem perder no branco as belezas que tem. Mas nunca procurar no branco a  beleza do preto ou o que possa remeter ao azul. Admirar é um saber que vale muito, mas não é só elogiar. Ao contrário, muito ao contrário. Adimirar é, antes, dizer : odeio! renego! detesto!  se o objeto é contrário ao que sinto pelo que julgo belo. Marcelo Novaes não gosta de comparar, eu só vejo o mundo pela visão de comparação. Ele tem suas verdades, eu as minhas. Seguramente ele não conhece nada de futebol, comparado comigo, claro. Não sei das coisas que ele gosta, nem estou aqui para bajular ninguém. Menos ainda para posar de crítico e imparcial. Não tenho nem leitura nem sou imparcial para ser critico. Sou um cara que não estudou, mas, como Caetano, eu sei o que é bom. Considero Marcelo meu amigo, até hoje não tive motivos para desconsiderar, espero nunca tê-los, mas que tivesse, nada mudaria. Sou um admirador. O que vai abaixo está aqui por eu considerar belo. Sou um admirador. Enquanto houver poetas e poemas para admirar, lá estarei. Admirando como quem segue procissão de Maria. como quem viu Romário jogando ou a cadela grávida na ponte. como vi meu pai embaralhando baralho, meu filho sorrindo, minha amiga-mãe, lu, mme contando sua dor de mãe, o beijo no filme do glauber, o sertão de João (o rosa), e muitas coisas mais, tão ditas e repisadas, sempre as repito. Sou um admirador. Admirador e mais nada.


O FOGO DA SEGUNDA HORA

MARCELO NOVAES


Um recitativo para a Páscoa.








Lá fora faz-se um fogo
novo [o Fogo da Segunda
Hora], que purifica antigas
sínteses, desestabiliza o que
se tornou triste e lava [como
que em água corrente] o coração
que sofre [os desvios os entraves
as serpentes], e deixa ficar o que é
suave.





[A hora de sorrir como filho
da vida e celebrar a Vinda
do Filho].





Aquele [fogo] que mostra [na
foto, dentro da moldura] onde
está tua mão [e a mão de quem
ela segura].





Hora de ensinar a ouvir [a que tem
ouvido] e, a quem tem fome, a pescar
[plantar e amassar o trigo, fazendo o
pão que se come].





Hora de se lembrar de Míram [mãe
de um bebê, e chorar de alegria pelo
nascimento], bendizer a gravidez e o
ritmo [e redescobrir a nona sinfonia
dentro do próprio ouvido].





Considerar que a consideração é fruto
bendito, de saber conjugar o verbo
iridescer [e reconhecer que a alma é
filamento a aquecer salas e aposentos].





Amarrar os cardarços para não cair [nem
tropeçar] nos próprios pés, hora de acender
o candelabro de sete braços, anunciar ventos
e marés [redescobrindo a bússola, o astrolábio,
a direção da Ursa Maior e do que é maior
que a Ursa].





Hora de parar de urrar de dor e ouvir a música
que canta por entre palmas brancas [e nas contas
dos rosários nas mãos das senhoras portuguesas].





Propiciar um intervalo às guerras [que seja um
epílogo ao espetáculo de fabricar inimigo].





Hora de esquecer cor e partido, compartilhar
pão e vinho, perfumes e óleos [e uma vintena
de livros].





Hora de ensinar a quem tem fome a plantar o
trigo [e recolher o trigo] e distribuir o trigo que
ninguém come [hora de acabar com o desperdício].





Hora de aproximar católicos e protestantes de
muçulmanos e budistas, ou daqueles que [mais
do que simplesmente] entenderam o recado de
Sócrates [de viver e morrer dignamente].





Hora de realimentar a lâmpada [com novo
azeite],





levantar a taça e brindar a vida [que graça
de graça sobre as impiedades expostas nas
praças dessas cidades].





Hora de trocar a lâmpada da sala-de-estar
por outra mais forte [de cem watts], de
descobrir a linha perdida da Sagrada
Escritura [aquela que é mal lembrada
e ninguém diz, pois esta é a mais
sagrada].





Olhar o fogo como Espírito Santo, aliado e
parceiro [soldado enfileirado ao lado da
cabeceira do quarto]; hora de ser mais
que hóspede no Templo Sagrado.





Aparar bigodes [afiar as navalhas,
para cortar qualquer pose de Lord
ou Czar], saber que somos todos do
mesmo molde [e pisamos um só lugar:
essa mesma terra de onde brotam as
mesmas fontes, onde não há espaço
para gangues e uniformes que servem
para afastar].





Hora das Vésperas [de recitar salmos e
sutras], de dobrar os joelhos, de santificar
o bem que pode advir de um acidente ou
dos erros, quando reconhecidos.





Hora de pedir um abraço denso ao irmão
[primo forasteiro inimigo], e de recobrir
antigas febres com atos gentis [e
posicionamentos célebres].





Hora de considerar que a fauna e flora
são nossas irmãs, de desimantar os ímãs
que agregaram limalhas [farpas, fiapos de
ferro enegrecido] e a falsa impressão de que
[ainda] somos canalhas.





Hora de esquecer a confusão e fazer calar o
que foi predito pela gralha [hora de reler
Edgar Alan Poe sem sobressalto, medo
ou antecipação].





Hora de realinhar a luz a um novo ângulo
de caminhada [não deixar que o fio de prumo
se incline mais do que quarenta e cinco graus
do que seria o rumo de Nosso Senhor, ou do
que é mais santo e justo].




Hora de aquilatar a fertilidade do húmus
e a beleza de seguir em paz pro túmulo,
sem fazer alarde.





Hora de reconhecer a prosa na poesia [e a poesia
na prosa], de acarinhar o ritmo das palavras em
direção ao que seja mais verdadeiro e íntimo,
de ver o que só viu o solitário [de garimpar o
diamante no meio do cascalho], de consultar o
dicionário [e acrescentar uma palavra sua, que
seja só uma ou uma só].






Hora de salvar a matéria prima do confisco
da mercadoria [de distinguir o falso do
legítimo], de fazer por merecer o bálsamo
[e validar o bom sacrifício de sacralizar
cada ofício], de anunciar aos amigos que
podem se ver livres dos vícios.





Hora de escolher um esmalte mais claro
[de discernir o som do estampido do
champagne do disparo do rifle], de
passar tratores sobre os fuzis,
desarmar mãos jovens em
gangues [e alimentar seus
pais que são pobres].





Hora de desocupar imóveis que jazem
sós, de remover a pedra sobre a lápide
[e anunciar que o jazigo está vazio e que
Ele já vive em nós], hora de deixar de ser
adepto [para ser santo], de se despedir do
filho com um beijo depois do almoço [de
vestir o capuz dos capuchinhos, as sandálias
de São Francisco, de esperar pássaros pousarem
nos ninhos e oferecer abrigo aos que vagam no
exílio].





Hora de discernir o cerne do brilho de superfície
[o foco do fogo fátuo, a unha do esmalte, a polidez
do verdadeiro brio], hora da seiva manter aceso o
verde no topo dos galhos [e nos altos ramos dos
ciprestes].





Hora de visitar quem ora no ermo [que é bom lugar
pra se orar], de desvendar o mistério que se aloja no
centro [no fulcro] da célula [sabendo que será só um
pedaço o que saberemos], hora de mapear os genes
do DNA, de proclamar a chegada de Isabelas felizes
[em tardes tão cálidas, nas primaveras e nas entradas
das portas], sorrindo nos peitoris das janelas [hora de
esperar a larva florescer e criar asas dentro das
crisálidas].




[Isabela Nardoni]






Hora de encontrar a cura para o Mal de Parkinson, de
distinguir o que é insólito [mas bom, inaugural e não-vulgar]
do que está na norma [mas não precisava estar], hora de
deixar de acrescentar adjetivos tentando salvar velhas
sintaxes [alquebradas, com prazos vencidos, que não
mais dizem nada e nada dizem mais].





Hora de enxugar o suor de todas as horas [e saber
esperar os netos que irão chegar, se Deus quiser],
de separar joio do trigo [memória do mito, o dito
do ignorado, a voz do padre do clamor do Infinito],
hora de adorar a Deus sem intermediários [nem
ídolos].





É hora de ler bons livros [sem ninguém mandar,
descobrir se é importante - e porque -, conhecer
a biblioteca de Borges], hora de lembrar da
mirrada [e desmedida] figura de dom Hélder,
de valorizarmos pontes [de entendermos os que
sabem transitar no diálogo entre crenças sem se
perder, pois se desvencilharam das más matrizes].





É hora de conceber os votos feitos por homens de
visão, e de valorizar os grandes mestres de cada
nação, hora de se lembrar de Kabir [ao mesmo
tempo muçulmano e hindu, santo e mendigo],
é hora de conceber os estigmas de Theresa
Neumann e de São Francisco [em seus
contextos].





É hora de saber que a febre é um estágio
preliminar do convalescer, algumas vezes,
[de aplacar a IRA dos irlandeses], de considerar
a possibilidade de Ed Motta cantar canções
[folclóricas] em frente a um pomar.





Lá fora faz-se um fogo novo [o Fogo da Segunda
Hora]. Mais do que a recitação de um credo: o
despertar de um fogo novo [e de um
ânimo apto para afugentar o
medo].

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