domingo, 11 de dezembro de 2011

SOBRE AS COISAS QUE SÃO E NÃO SÃO RIO


http://bloguedospoetas.blogspot.com/2011/01/o-cao-sem-plumas-joao-cabral-de-melo.html

gostei dessa imagem de João, embora estivesse em um blog de esquerdistas, cujo link vai acima.









Não precisava estátua dele na margem do rio. É redundante a figura física de João Cabral na rua da aurora. Aurora é uma palavra que João nunca usou em sua arte. Vinícius De Moraes chamou-o diamante. João preferiu o cacto.
João é o Brasil que vislumbro. Um país sofisticado, mas por seus parâmetros de sofisticação. Mas é,  sobretudo, o ideal estético-poético de minha mirada do que seja poesia. E o que é poesia? É o paradoxo do sonho real ou sonho dos racionais. O ideário dessa corrente de gente brega e anacrônica cujo foco é o dinheiro e a macaquice a padrões de estética que não os pertencem, que são legítimos onde criados, mas que não fazem sentido fora do seu ambiente natural se tornando cópias de modo de viver, nunca me pareceu mais que cafonice. João rompe com isso. Lindamente,  a partir de uma poesia que rejeita, não o sentimento, como  os apressadinhos gostam de dizer, mas o uso da emoção para obter resultados. João tinha um jeito de ver o mundo que me  parece ser mais que o olhar de poeta, comum e vulgar. Havia uma verdade em sua poesia, um absurdo real, visto pela alma, sentido pelos olhos. Poeta sem alma?


Seria a água daquele rio
fruta de alguma árvore?
Por que parecia aquela
uma água madura?
Por que sobre ela, sempre,
como que iam pousar moscas?
Aquele rio
saltou alegre em alguma parte?
Foi canção ou fonte
em alguma parte?
Por que então seus olhos
vinham pintados de azul
nos mapas?
(O cão sem plumas, 1949-1950)


JOÃO CABRAL DE  MELO NETO

Isso é coisa escrita por quem não tem alma?

De todas as idiotices ditas para diferenciar a poesia cabralina e as outras, essa se mostra a mais tola.

Quem era Cabral?

Um poeta pernambucano. Ponto. Se tivesse nascido na Bahia não seria baiano? No japão, japonês? Na India, indiano? O que muda o nascimento de uma pessoa em relação ao seu talento criador? Os poetas grandes nasceram todos em Pernambuco?
É incrível como o argumento do idiota encontra variantes que o fazem supor que sua idiotice é pura sensatez. Nascesse na Sibéria, ou mesmo em outra galáxia, seria poeta, seria grande. Mas nunca teria escrito o que escreveu. Ele viu o rio Capibaribe, andou nas pontes de Recife. E quem faz isso, meu camarada, peço que não o faça, para que não se torne um tolo, nem veja a alma em um rio, mas se o fizer, se tocar as alma do poeta sem alma, você é batizado e estará morto para as coisas que não são rio.


Deste tudo que me lembro,
lembro-me bem de que baixava
entre terras de sêde
que das margens me vigiavam.
Rio menino, eu temia
aquela grande sêde de palha,
grande sêde sem fundo
que águas meninas cobiçava.
Por isso é que ao descer
caminho de pedras eu buscava,
que não leito de areia
com suas bôcas multiplicadas.
Leito de pedra abaixo
rio menino eu saltava.
Saltei até encontrar
as terras fêmeas da Mata
JOÃO CABRAL DE MELO NETO

E as coisas que não são rio lhe parecerão menores, prosaicas, ínfimas, mesquinhas. Não, meu amor, não ande no rio depois de conhecer o poeta, nem olhes para mim se eu estiver perto. Minha cara se transfigura quando estou naquela ponte. Uma face que não posso descrever; mas sente a passagem do tempo e das eras; Das  dores da alma  e dos partos; das alegrias bestiais e que só os filhos podem dar; de ter uma super alma dentro de um corpo pequeno, um limitador do infinito.

As coisas que não são rio se tornaram chatas, então faço-as atravessar à margem, e tornarem-se rio, reafirmarem-se, serem rio. Minha cirurgia, as derrotas do vasco , o constatar de minha morte, da morte dos que amo, do inexorável do tempo, sua homicida ampulheta, o amor que não vem, o que se foi, transformo em rio.

Pois que reinaugurando essa criança
pensam os homens
reinaugurar a sua vida
e começar novo caderno,
fresco como o pão do dia;
pois que nestes dias a aventura
parece em ponto de vôo, e parece
que vão enfim poder
explodir suas sementes:
que desta vez não perca esse caderno
sua atração núbil para o dente;
que o entusiasmo conserve vivas
suas molas,
e possa enfim o ferro
comer a ferrugem
o sim comer o não.

JOÃO CABRAL DE MELO NETO

Transformo as coisas em rio para isso: o sim comer o não.

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