http://bloguedospoetas.blogspot.com/2011/01/o-cao-sem-plumas-joao-cabral-de-melo.html
gostei dessa imagem de João, embora estivesse em um blog de esquerdistas, cujo link vai acima.
Não
precisava estátua dele na margem do rio. É redundante a figura física
de João Cabral na rua da aurora. Aurora é uma palavra que João nunca usou em
sua arte. Vinícius De Moraes chamou-o diamante. João preferiu o cacto.
João é o
Brasil que vislumbro. Um país sofisticado, mas por seus parâmetros de
sofisticação. Mas é, sobretudo, o ideal
estético-poético de minha mirada do que seja poesia. E o que é poesia? É o
paradoxo do sonho real ou sonho dos racionais. O ideário dessa corrente de
gente brega e anacrônica cujo foco é o dinheiro e a macaquice a padrões de
estética que não os pertencem, que são legítimos onde criados, mas que não
fazem sentido fora do seu ambiente natural se tornando cópias de modo de viver,
nunca me pareceu mais que cafonice. João rompe com isso. Lindamente, a partir de uma poesia que rejeita, não o
sentimento, como os apressadinhos gostam
de dizer, mas o uso da emoção para obter resultados. João tinha um jeito de ver
o mundo que me parece ser mais que o
olhar de poeta, comum e vulgar. Havia uma verdade em sua poesia, um absurdo
real, visto pela alma, sentido pelos olhos. Poeta sem alma?
fruta de alguma árvore?
Por que parecia aquela
uma água madura?
Por que sobre ela, sempre,
como que iam pousar moscas?
Aquele rio
saltou alegre em alguma parte?
Foi canção ou fonte
em alguma parte?
Por que então seus olhos
vinham pintados de azul
nos mapas?
(O cão sem plumas, 1949-1950)
JOÃO CABRAL DE MELO NETO
Isso é coisa
escrita por quem não tem alma?
De todas as
idiotices ditas para diferenciar a poesia cabralina e as outras, essa se mostra
a mais tola.
Quem era
Cabral?
Um poeta
pernambucano. Ponto. Se tivesse nascido na Bahia não seria baiano? No japão,
japonês? Na India, indiano? O que muda o nascimento de uma pessoa em relação ao
seu talento criador? Os poetas grandes nasceram todos em Pernambuco?
É incrível
como o argumento do idiota encontra variantes que o fazem supor que sua
idiotice é pura sensatez. Nascesse na Sibéria, ou mesmo em outra galáxia, seria
poeta, seria grande. Mas nunca teria escrito o que escreveu. Ele viu o rio
Capibaribe, andou nas pontes de Recife. E quem faz isso, meu camarada, peço que
não o faça, para que não se torne um tolo, nem veja a alma em um rio, mas se o
fizer, se tocar as alma do poeta sem alma, você é batizado e estará morto para
as coisas que não são rio.
Deste tudo que me lembro,
lembro-me bem de que baixava
entre terras de sêde
que das margens me vigiavam.
Rio menino, eu temia
aquela grande sêde de palha,
grande sêde sem fundo
que águas meninas cobiçava.
Por isso é que ao descer
caminho de pedras eu buscava,
que não leito de areia
com suas bôcas multiplicadas.
Leito de pedra abaixo
rio menino eu saltava.
Saltei até encontrar
as terras fêmeas da Mata
JOÃO CABRAL
DE MELO NETO
E as coisas
que não são rio lhe parecerão menores, prosaicas, ínfimas, mesquinhas. Não,
meu amor, não ande no rio depois de conhecer o poeta, nem olhes para mim se eu
estiver perto. Minha cara se transfigura quando estou naquela ponte. Uma face
que não posso descrever; mas sente a passagem do tempo e das eras; Das dores da alma
e dos partos; das alegrias bestiais e que só os filhos podem dar; de ter
uma super alma dentro de um corpo pequeno, um limitador do infinito.
As coisas que
não são rio se tornaram chatas, então faço-as atravessar à margem, e
tornarem-se rio, reafirmarem-se, serem rio. Minha cirurgia, as derrotas do
vasco , o constatar de minha morte, da morte dos que amo, do inexorável do
tempo, sua homicida ampulheta, o amor que não vem, o que se foi, transformo em
rio.
pensam os homens
reinaugurar a sua vida
e começar novo caderno,
fresco como o pão do dia;
pois que nestes dias a aventura
parece em ponto de vôo, e parece
que vão enfim poder
explodir suas sementes:
que desta vez não perca esse caderno
sua atração núbil para o dente;
que o entusiasmo conserve vivas
suas molas,
e possa enfim o ferro
comer a ferrugem
o sim comer o não.
JOÃO CABRAL
DE MELO NETO
Transformo
as coisas em rio para isso: o sim comer o não.
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