sábado, 14 de setembro de 2013

O HOMEM E OS SELOS




Isso não é um poema. Não preciso avisar, mas aviso. Eu nunca escrevo poemas. Não por não gostar ou preferir não escrever. Não escrevo poemas por não ser possível a mim fazê-lo. Simples assim. Eu escrevo. Eu tenho coisas comigo que as guardo como se guarda uma boneca. Eu aprendi que as meninas guardam bonecas por razões respeitáveis. Tão respeitáveis quanto os homens colecionam selos. E nunca se deve questionar ou menosprezar o homem que coleciona selos. O homem coleciona selos e decepções. Selos e medos. Selos e dores recalcadas. O homem coleciona carros e mulheres. O homem vai à igreja, morre. O homem é vazio. Somos vazios. Isso não é criticar a nós, a mim, ou nada que remeta a isso. Isso é constatar um fato. O homem mata, morre, nada justifica matar. Mas os homens colecionam. Guardam para si coisas que os façam achar que durarão muito ou que são importantes para om tempo. Quando menos, se sentem amparados como crianças aos pais. Como seus pais estão mortos ou já não cabe seu colo, eles colecionam selos. Alguns colecionam mortos, outros colecionam outros. Mas se resume a isso: colecionar. O homem vai a um lugar, no caminho cai de uma moto, ou tem uma parada cardíaca, ou qualquer coisa que o mate, acabou. O sonho do homem é mais duro que o de um cão. O homem tem de colecionar sem perguntar pelo sentido de agir assim.  Em que haveria de melhorar sua vida se descobrisse o que é a verdade última das coisas? O homem vai à igreja. Procura Jesus Cristo. Procura quem o liberte de si mesmo. Mas o homem não quer deixar de lado sua coleção de selos. Quer a verdade, o caminho e a vida, sem que estas coisas atrapalhem suas coleções. Ainda vaga na noite e vê crianças com frio nas calçadas. Ele olha, passa adiante e pensa na coleção de selos. Mas pensa: melhor não pensar nisso.  Não pensando ele resguarda os selos. Já passa o tempo. Ele vai ao hospital prolongar sua vida por mais uns parcos anos. Mas ainda tem os selos guardados. Ele não quer perder os selos quando já perdeu o vigor, parentes, cabelos, e as luzes da juventude. Está velho o homem. Estrada acabada. O homem vai fechar os olhos pela última vez, dar seu último olhar pra noite, sua última dor sentida. Os selos não morrem. Os selos voam ao vento. Os selos não são nada, como aquele homem morto.

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