quinta-feira, 5 de maio de 2011

MEU RIO





Enquanto morria gente, ribanceiras caiam. Crianças, dadas à luz outras ao crack.

O mundo com essa mania de ser abaixo de si, de querer-se tão por baixo. Eu ia, na chuva fina, na velha ponte, no rio, na rua da aurora.
Parei na estátua (ante) de João Cabral, li um trecho do “o cão sem plumas”, sabia que tudo isso era poesia, sabia de minha parte. Não contava com um ônibus que parava ao meu lado, e com  gente dentro dele, e que houvesse mundo, que se trabalhasse nele.
Fui andando na chuvinha, no Recife inventado. Que é meu. Não trabalha. E me veio uma certeza inabalável como uma decisão tomada por um idiota, uma crença de terrorista, ou uma certeza oriunda da impossibilidade de se poder olhar o outro lado da questão. Veio-me à mente um poema que tem todas as limitações de quem escreve, mas..., sem “mas”, vamos ao poema.

Isso vai comigo até morrer:  rio, ponte, lama, mangue, eu no meio, ou na margem,  ou à margem, ou ao centro, sendo dia, noite adentro, morrerá comigo. Como meu amor, meu ódio. Como meu coração.


Isso só acaba no meu fim: minha torcida pelo vasco; meu desprezo pelas coisas dadas não ao mérito, mas ao poder ou ao dinheiro; minha arrogância, manha e mimo; meu amor pelo meu branco; minhas maluquices, minhas estultices; o destempero, o fazer o que acho bonito, não  o certo; o sempre olhar para meu pai com lágrima risonha.


Bom humor, deboche, riso; sexo, gatos, Caetano, água muito gelada; o silêncio da madrugada; Shakespeare, lua, amizade; o horror a falsa arte, e o amor a verdadeira. 


A morte levará quem sente, nunca o sentimento. isso é o fracasso dela. pode levar o poeta, mas não a poesia; levou João, mas não pôde levar "O rio". a morte é como câncer, vive de consumir-se a si mesma. 


Meu testemunho é esse: passei na rua da aurora,  no rio capibaribe. Chovia um chuva fina, eu parei ante a estátua. Não houve culto, nem venerar a estátua. Houve só poesia, houve só isso. Mas senti poder de um ser poderoso. Não era de mim, claro. Mas um poder que faz armas serem nada, ou sequer serem. Não vinha de outro lugar que não de olhar dele. um olhar que nunca vi, que eu contemplei por palavra. Sim, meus sentidos se confundiram. Vi seu olhar por palavras. Palavras que eram  olhos. A semântica da íris dele me disse como que rindo: EU SOU A VERDADE.
Bom, ele não exclamava. Não porque falasse com olhos, ele os usava como mil línguas não podem. Mas por prescindir do aprovar de quem diz uma coisa descoberta. 
Isso se deu em segundos. Mil Shakespeares não ensinam tanto. Aprendi uma coisa (como gosta minha amiga) : a morte nunca existiu. Olhei para ele, ele agora ria. Ria com seu rosto lindo, seu rosto sem palavras, seu rosto era o rio. Rio de lama, rio de mangue. Sim, ele ria de mim, ria alto, ria farto. sabia o que me confrangia, de minha pretensão de não morrer, de ter com ele em outra vida. Mas a vergonha de querer ter meu rio depois da morte, poder  amá-lo em outra vida.
Disse-me ele: AMAI-VOS UNS AOS OUTROS COMO EU VOS AMEI.
Fiquei feliz, muito feliz. Sonho morrer pra outra vida, estar com ele lá. Lá terei meu rio. Lá não cairão ribanceiras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário