sexta-feira, 13 de maio de 2011

A ALMA DAS PALAVRAS





As palavras tem alma. Isso é contrário ao que o bardo disse. Mas dessa vez, se me é permitido discordar de Shakespeare, ou Hamlet, eu não acho que sejam apenas “sopros de ar”. Descobri isso com meu médico, conversando com ele. Nunca descubro nada por explicação ou conselho. Sempre aprendo só, comigo, do meu jeito. Aprendi com o jeito dele dizer, com olho brilhando, olhando no meu olho.
Meu médico não foi literário, antes disso, ou contra isso, foi humano. A literatura não é fundamental para  nada, o amor sim. Que seja brega, que seja. Mas mais ridículo que o desprezo pela literatura feito por um analfabeto, é o querer fazer pose, essa mania de querer ser intelectualizado exteriormente. Ai o sujeito diz: eu amo a poesia. eu se trata de um mentiroso, ou frustrado. Ninguém que conhece o amor, o de verdade, e sendo honesto, diria isso.
Mas volto ao médico.
Ele pega o celular, conversa, desliga e joga na mesa. Olha para mim e diz:
--Para estar nessa profissão é preciso gostar dela, e eu gosto.
A causa de minha comoção não é a fragilidade de um doente frente ao médico, é a constatação de que existem pessoas que se sentem felizes com a alegria de outras.
Meus olhos marejaram. Me veio a convicção, não imediata (minha preocupação era não demonstrar emoção) de que as palavras tinham alma. O silêncio acordado é palavra não dita, possui um dicionário de dicionários em mil línguas. Portanto o silêncio só existe pra um sentido. Mas se pudermos escutá-lo? Como? Com as palavras. Elas nos fazem ouvir o silêncio, escutar o barulho ausente. Ouvir um choro de uma mãe em um hospital em que nunca estive.
Mas é de palavras que falo, elas tem alma. Por isso o choro contido.
Dizem que João Cabral era um poeta sem alma. Que tolice! João sabia mais que ninguém que as palavras tinham alma. Mas preferiu falar de coisas e lugares. João escreveu que não se deve poetizar o poema. Há o contrário, o dar poesia devida as coisas sem alma. Portanto, tendo ouvido de meu pai e alguns amigos que eu iria ficar bom, sabia da poesia disso, mas carecia de crença. Agora tenho crença e tem poesia, pois foi dito por quem eu queria. E ele foi seguro, firme. Ele disse mais do que foi dito, mas isso escondo, guardo com a alma. Não sei como descrever o que é alma.

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