sábado, 23 de setembro de 2017

Aprender com Dostoievski







Dostoievski, segundo Nietszche, foi um dos psicólogos que respeitava (o outro - e só eram dois- foi Shakespeare) escreveu "O jogador" em que narra a psicologia do jogo e toda a irracionalidade que resulta em um compulsivo. É difícil imaginar o sujeito conhecer tanto a psicologia e os desdobramentos em um comportamento vicioso e ser vítima ou aceitador do erro. Dostoievski era um ser viciado em jogo e com uma doença neurológica cercada de mistérios e superstições que existem ainda hoje e àquela altura eram maiores. Tenho compulsão por jogo e ando tendo alucinações. As semelhanças acabam aqui, para bem e para mal. Ele foi um dos maiores intelectos que o mundo viu surgir, eu escrevo abobrinhas no facebook. Mas a associação entre o anão e o gigante deve ser útil nesse momento para mim.
Ivan Karamazov, personagem dostoievskiano cujo intelecto era reputado pelos seus pares, embora nunca dissesse palavra que justificasse tal sabedoria durante todo o gigantesco livro, so falando ao fim do terceiro volume, no fim e sob alucinação. O livro narra o assasssinato do velho Karamazov, o pai, que é cometido por um de seus filhos. Um (Ivan) acha que matou, o outro (Dmitri) é julgado e condenado pelo parricídio que não cometera. Houve o tal parrecídio, só que cometido por Smerdiakov, filho bastardo do velho. Todo os livros de Dostoievski poderiam ser categorizados como lutas do bem contra o mal. O bem representado por Cristo e o mal por personagens que são falsificadores de satanás (piores portanto), são "os possessos". Uma outra característica que me diz muito neste momento de me tratar dos efeitos que minha medicação causa é demência de Dostoievski. Seu histrionismo e exagero na construção de personagens que são irreais demais para serem personagens somente e que, vejam só, tornam-se reais para além da realidade. Surreais, portanto.
Saber como funciona o raciocínio de um alucinado é útil e me apazigua. A alucinação não é uma palavra feia (não existem palavras feias) e nem é falta de caráter. Falta de cárater é não reconhecer erros, é não aceitar ajuda alegando que não precisa.
Dostoievski era um ser atormentado entre um cristianismo ferrenho e uma ligação as coisas que Cristo pedia desapego. O vício dele era maior que o meu, sua alucinação (como a lucidez) era maior que a minha, mas ao passar pela terra com suas mazelas e vícios fez espolcarem fogos e gerou uma luz para o mundo que eu não posso nem sonhar. Não posso tudo mas posso aprender com o mestre russo. Aprender que um  homem é mais que mazelas e doenças. Aprender que um homem tem sempre a aprender com Cristo. Aprender que nada é vergonhoso se não se faz por deliberação. Aprender a controlar o negro do cérebro com  o alvor do dia. Aprender que teimosia e inércia andam juntas e que disposição para melhorar nunca piorou nada. Aprender que o bem só emana de Deus e o mal vem de todo canto. Aprender que ninguém está morto se ainda pulsa a veia e você sabe disso. Aprender que os erros dos gigantes ensinam mais que o dos pequenos pelo motivo óbvio. Aprender que Ivâ karamazov era um canalha; Dmitri era um canalha; Smerdiakov era mais que isso porque matou. Aprender que a grande frase de Ivã: "se Deus não existe tudo é permitido" é verdadeira, mas absurda e ilógica por partir de uma premissa falsa. Aprender que o vício leva ao nada, é o câncer dos costumes. Aprender que o que reputam de nós é nada e o que somos é tudo.

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

DE NOVO O BOLO DO VASCO





Se tudo termina (e tal  como está, haverá fim) penso que o que me dá rejúbilo agora, me dará no meu fim.
Não penso em mudar o mundo, mudando meu caráter já deu a conta, exercendo minha função de se gastar com o tempo mas sabendo que o que puder viver, viver ao máximo, não falo de anfetaminas (isso é viver o mínimo) , não falo das grandes mansões nem grandes carros (os quereria se pudesse, os admiro por não poder) Essa é a questão primeira das primeiras questões: O que não posso, admiro. O que posso, faço.
Os iconoclastas de Stalin tem meu amor, apoio, desvelo. Os iconoclastas em geral, que a tudo vejam com inveja e agem  assim  por não saberem erguer estátuas, me dão asco..
Viver admirar. Ponto! admirar o rosto lindo do sobrinho de Elaine e sua arrogância, sua espantosa comoção diária de sua beleza. Admirar o pitão gagão e sua tez , e sua voz, e sua irritação, e seu dormir, e os dedos do pé que quase perde, a alegria de uma nova vida, refletida no filho de meu amigo-irmão, André carvalho. O baralho traçado por meu pai (cuja beleza não está no gesto, está em toda uma vida de amor aos filhos. Quando eu era pequeno (e isso não conto sem chorar) meu pai passava um aperto de jó. Era aniversário meu e eu nem sonhava que teria bolo (inferia, pelas conversar dentro de casa que a coisa não tava boa) pois bem, teve bolo. |O| bolo era com um desenho do vasco. Comi  o bolo com as a garganta seca e sem mesmo vontade de comer. O bolo do vasco não era bolo. Como coisas que só tem nome de coisas mas que no fundo possuem nome falso.  O bolo do vasco foi o amor comido e seu nome não era bolo, era Pai. O bolo do vasco não me lembro  o gosto, o bolo não era nada, estava ali como símbolo, estava ali por estar. 
Não que o bolo fosse ruim, e ainda que fosse ruim, e mais, ainda que fosse de sal com pimenta, isso importaria nada.
O que aprendi com meu velho (falta muito a aprender) é que as coisas tem nome falso. O bolo não era pra se chamar assim. O nome do bolo é ternura, o nome de tudo que resta (e resta muito) não é presente, é união.
Amaria o meu pai sem o bolo,  mas com o bolo amo-o mais. Não pelo gosto do bolo, pelo gosto do amor. Sim, amor tem gosto, cheiro e gesto. Se afetação não é amor, se é amor é tudo.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Sobre o gostar






Ao fim a ao cabo, viu-se o destino que tomara aquele ser. Ele, cujo futuro parecia sombrio (visto que pródigo quanto promíscuo) seguiu a sua vocação, sina ou karma. Não se esperava nada dele e ele nada fora. No seu enterro havia poucos,  párcos e enfadados, que retorciam a fronte ante defunto morrido em dia tão inconveniente. Nada de filhos chorando, nada de mulheres carpindo. Só o desejo de enterrar-se o morto, de ver-se livre daquilo. Eis que algo desfaz a pasmaceira do evento. Um grito de dor, um forte lamento. Uma voz sincopada afetando ser de uma mulher, era um traveco. 
Ele que fora amante de tantas mulheres, que fora rei das putas e casadas e das donzelas enternecidas; Que usou ópio, cocaína, que cultuava ayausca, que desperdiçou no jogo, na bebida e em orgias e bacanais, que tão generoso fora para as damas de todas as classes, idades e suscetibilidades, não teve um  choro mais do que o de um travesti.
Curioso é que ele (agora morto, agora nada) nunca fora agressivo com as mulheres, mesmo as mais estouvadas e perdulárias; As mais caprichosas e cheias de manias ele devotou uma serenidade de cordeiro. O travesti foi o único (a) que lhe sentira o peso da mão. Apanhou na cara, com a mão aberta (que era uma maneira de humilhar-se ainda mais a quem se infringia a bofetada. 
O travesti, cujo nome nem se saberia, o chorava e soluçava, beijava-o como pai que beija filho morto, como mãe de soldado em partida para a guerra. Beijo de quem quer entrar na carne, de quem quer ir junto (para o chão ou para guerra). 
Isso não conto por relevante e nem quero extrair moral ou dar conselho. Só querer dizer que de onde vem o amor, do que se alimenta e onde alcança, não se sabe, não se saberá, nem se tem respósta. Só se sabe que gostar não é dizer que gosta, é agir com desespero ante a pessoa morta.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Mâe





Para minha mãe, luluzinha e Maria Regina    





Nelson Rodrigues dizia que sua mãe só tinha um sentimento por ele: pena. Toda mãe e´assim. Mãe sente pena do filho. A mãe do Neymar, a minha, a de quem seja, sente pena do seu filho. Eu digo que amar é pensar na morte. A morte é parceira do amor. O amor da mãe pelo filho é de uma dor que sempre se dará. Porque amor é antes de tudo medo de perder. A mãe sabe da coisa da vida, do seu valor, sua fragilidade, sobretudo, da univocidade de cada ser. Por isso tendo dez filhos a todos amará e não pensará duas vezes em dar sua vida pelos dez, sem o cálculo que de 10 morto um, nove vão ficar.. Se diz que mãe só tem uma. Se diz certo. Pai também só tem um mas não cabe dizer isso. O pai ama o filho; a mãe sente o filho. Ela o sentiu pulsar dentro, o sentiu existir no começo, o sentiu como o pai não pode nem poderá. Por isso o pai diz: "prefiro meu filho morto que veado". A mãe jamais isso dirá. Porque sabe que a vida é única, que vale muito. Ela até o fim tentará a carne salvar. porque filho pra mãe é menos alma do que carne. Por ela ter o sentido nas entranhas. 
Ao parir ela coloca o filho no mundo, mas só a parte física, a alma dele, fica não no útero mas no âmago, no imo, no cerne, no centro, na espinha, onde for mais dentro. 
A mão do Neymar, a minha, e todas, sentem pena dos seus filhos. Rico, lindo, famoso, será isso para os outros, para mãe é apenas um ser frágil que está sempre com fome. Mãe que perde um filho é coisa das mais doídas das que há. É onde a dor é tão dela e tão única que homem nem deve falar.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Quem verá o Cristo




Aos que pregam o bem, meus cumprimentos. Aos voluntários, generosos, altruístas, doadores (de qualquer coisa) : Um beijo, com admiração. Ninguém é o que fala,  que se pensa, o que se vê. O ateu que foi apaziguador, solidário, nobre (no melhor sentido da palavra) verá o Cristo, mesmo sem nunca nele ter crido. os seguidores e divulgadores do Cristo que estiverem em desacordo com o que dizem e fazem o mal pedindo o bem, esses não são nada. Lembro Shakespeare, na peça Rei Lear (o  maior livo escrito até hoje). Em dado momento o rei, que dividira seu reino entre duas filhas que o desprezam depois, diz ao bobo: Tu és só um bobo. Ao que o bobo solta essa frase: Eu sou um bobo, sou algo, você é um rei que deu seu reinado a suas filhas, não é mais nada. Sou bobo, és o quê?


terça-feira, 2 de maio de 2017

Ser dono é amar









--Srº, não há muito o que contar e são só os mesmos assuntos, para quê lhe agastar?    

- Mas conte; tempo há. Muito para ouvir histórias, pouco para as vivenciar.

- Sendo assim.
..
-Tenho um time, uma vida e coisas para admirar.

- Essas coisas são suas? Vidas, times e coisas não lhe pertencem.

- Tem uns livros que li...

- Livros que outros escreveram.

- Um filho.
..
- Ninguém é dono de outrem.

- Senhor dono não é mandar, registrar em cartórios, protocolar. Ser dono é amar.

- Não entendi.

- Já viu o rio Capibaribe em “um cão sem plumas”?
 O olhar de Henrique para Fallsstaf, no olhar de Brannagh?
- Continuo a não entender.
- O que se ama não se pode ter, só se pode amar. É seu porque não existe, ninguém nem nada que lhe possa tirar. Como quando meu filho abriu os olhos, como o beijo de Corisco em Dadá; Como meu pai embaralhando cartas, como o Rosa fundando um idioma, como Caetano chorando na morte de Tom Jobim, como Cristo perguntando ao soldado a razão de sua agressão.

O que se ama não se mensura, não se sopesa, não se explica. O que eu tenho? Tenho tudo! Tenho vida.

quinta-feira, 9 de março de 2017

Para Luiz de Almeida.




O filho de Luiz chamava Wellington. O filho de Luiz não sou eu. A dor é de onde vem a força. Agora choro de novo. Não porque o filho de Luiz se chamava Wellington, nem por seu pai de nome homônimo ao do meu. Choro porque nunca estará morto um filho. Para Luiz, Wellington estará sempre mais vivo em si. Se tem uma coisa que admiro é quem sabe sofrer e transformar dor em força. O nome do filho é Wellington, o nome do pai é Luiz. O nome dá dor é saudade. O nome de tudo é amor.

domingo, 5 de março de 2017

Eu nunca entendi direito: o que há  no falso e do que se alimenta o vazio, exaurindo-se do excesso do nada. Eu nunca alcancei os tolos: Deixei-os à   frente ou atrás, nunca os permiti emparelhar. Eu nunca vendi o riso, vendi o choro ou comprei saudade, tive e me bastou.
Eu nunca fui dos que ganham mas sei perder, e isso é nunca ter conhecido a derrota real que vem com vitórias de campeões do oco. Dos que precisam ganhar um título, um diploma, uma medalha e ostentar que não é um fracassado.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

O gato imaginário


Para Maria Regina Hoff




Por isso a amo. Ela entende um poema que sequer foi escrito e reconhece o valor de um gato imaginário. Entende as coisas com o entendimento da essência que vem antes da aparência. A quem eu daria um gato imaginário sem medo de ser idiota? A quem eu diria que escrevo um poema sem pejo de não ser poeta? A quem um gato imaginário pode interessar? A Maria Regina.
Não te dou o meu gato pôr o ter em conta menor, nem por não ter a quem dá-lo. Dou-te por saber que sendo teu, meu gato estará bem cuidado. Cuido no meu gato por ele ser caro e tudo que tenho e que quero e preciso. Te dando não fico sem ele, te dando permanece comigo. O que é belo e bom dividido fica maior ainda e repleto do que ausente.
Te dou um gato imaginário e ele só pode ser dado como presente. Não tem preço, não tem como tê-lo de outra forma, por outro meio. O meio sequer existe para ganhar meu gato imaginário e se houvesse um meio, uma forma, um caminho, e alguém por ele se guiasse, veria ao fim que nunca teria o gato, por ter premeditado, por auferir, por pretender, pelo mero cálculo.
Reginita, toma meu gato, imaginário, nunca virtual. Ele não foi inventado, muito menos tem um fim. Ele existe, é real, como o mal, como o capim. Ele confirma, ele celebra um amor por uma amizade terna, bonita, sincera e leal. Toma meu gato, cuida bem dele, sem mimos, sem afagos, sendo quem és. Foi por ser quem és que te dei, é por ser quem és que te amo.

domingo, 22 de janeiro de 2017

Sim, vi.




Eu vi a poesia no olho. Ele não era azul (o olho da poesia) mas nem preto nem castanho, nem em cores se revelava. Sabia que era o olho porque sentia que era visto.
Eu senti o cheiro da poesia. Não era de perfume, nem fedia. Era um cheiro de livros velhos e mofados, como os que no Recife eu lia.
Eu comi a poesia. E ela não me enchia as vísceras, ela não me enchia nada. Minha fartava pela ausência, me cansava pela inércia, me sobrava onde era pouca e onde era muita me faltava.
Eu descobri o nome da poesia. Não revelo, não declaro. Mas a quem interessar possa, é um nome sem palavras nem fonemas. Como eu sei que é um nome então? Porque chamei sem a voz, vi ao fechar os olhos e senti que o que era real era esse nome não decodificado. O real pareceu menor e falso (como os diamantes verdadeiros) e o que eu descobri o nome maior e exato, como os abraços de amigos, como os afetos sem sexo, como os gostares de fato.