quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Sobre o gostar






Ao fim a ao cabo, viu-se o destino que tomara aquele ser. Ele, cujo futuro parecia sombrio (visto que pródigo quanto promíscuo) seguiu a sua vocação, sina ou karma. Não se esperava nada dele e ele nada fora. No seu enterro havia poucos,  párcos e enfadados, que retorciam a fronte ante defunto morrido em dia tão inconveniente. Nada de filhos chorando, nada de mulheres carpindo. Só o desejo de enterrar-se o morto, de ver-se livre daquilo. Eis que algo desfaz a pasmaceira do evento. Um grito de dor, um forte lamento. Uma voz sincopada afetando ser de uma mulher, era um traveco. 
Ele que fora amante de tantas mulheres, que fora rei das putas e casadas e das donzelas enternecidas; Que usou ópio, cocaína, que cultuava ayausca, que desperdiçou no jogo, na bebida e em orgias e bacanais, que tão generoso fora para as damas de todas as classes, idades e suscetibilidades, não teve um  choro mais do que o de um travesti.
Curioso é que ele (agora morto, agora nada) nunca fora agressivo com as mulheres, mesmo as mais estouvadas e perdulárias; As mais caprichosas e cheias de manias ele devotou uma serenidade de cordeiro. O travesti foi o único (a) que lhe sentira o peso da mão. Apanhou na cara, com a mão aberta (que era uma maneira de humilhar-se ainda mais a quem se infringia a bofetada. 
O travesti, cujo nome nem se saberia, o chorava e soluçava, beijava-o como pai que beija filho morto, como mãe de soldado em partida para a guerra. Beijo de quem quer entrar na carne, de quem quer ir junto (para o chão ou para guerra). 
Isso não conto por relevante e nem quero extrair moral ou dar conselho. Só querer dizer que de onde vem o amor, do que se alimenta e onde alcança, não se sabe, não se saberá, nem se tem respósta. Só se sabe que gostar não é dizer que gosta, é agir com desespero ante a pessoa morta.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Mâe





Para minha mãe, luluzinha e Maria Regina    





Nelson Rodrigues dizia que sua mãe só tinha um sentimento por ele: pena. Toda mãe e´assim. Mãe sente pena do filho. A mãe do Neymar, a minha, a de quem seja, sente pena do seu filho. Eu digo que amar é pensar na morte. A morte é parceira do amor. O amor da mãe pelo filho é de uma dor que sempre se dará. Porque amor é antes de tudo medo de perder. A mãe sabe da coisa da vida, do seu valor, sua fragilidade, sobretudo, da univocidade de cada ser. Por isso tendo dez filhos a todos amará e não pensará duas vezes em dar sua vida pelos dez, sem o cálculo que de 10 morto um, nove vão ficar.. Se diz que mãe só tem uma. Se diz certo. Pai também só tem um mas não cabe dizer isso. O pai ama o filho; a mãe sente o filho. Ela o sentiu pulsar dentro, o sentiu existir no começo, o sentiu como o pai não pode nem poderá. Por isso o pai diz: "prefiro meu filho morto que veado". A mãe jamais isso dirá. Porque sabe que a vida é única, que vale muito. Ela até o fim tentará a carne salvar. porque filho pra mãe é menos alma do que carne. Por ela ter o sentido nas entranhas. 
Ao parir ela coloca o filho no mundo, mas só a parte física, a alma dele, fica não no útero mas no âmago, no imo, no cerne, no centro, na espinha, onde for mais dentro. 
A mão do Neymar, a minha, e todas, sentem pena dos seus filhos. Rico, lindo, famoso, será isso para os outros, para mãe é apenas um ser frágil que está sempre com fome. Mãe que perde um filho é coisa das mais doídas das que há. É onde a dor é tão dela e tão única que homem nem deve falar.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Quem verá o Cristo




Aos que pregam o bem, meus cumprimentos. Aos voluntários, generosos, altruístas, doadores (de qualquer coisa) : Um beijo, com admiração. Ninguém é o que fala,  que se pensa, o que se vê. O ateu que foi apaziguador, solidário, nobre (no melhor sentido da palavra) verá o Cristo, mesmo sem nunca nele ter crido. os seguidores e divulgadores do Cristo que estiverem em desacordo com o que dizem e fazem o mal pedindo o bem, esses não são nada. Lembro Shakespeare, na peça Rei Lear (o  maior livo escrito até hoje). Em dado momento o rei, que dividira seu reino entre duas filhas que o desprezam depois, diz ao bobo: Tu és só um bobo. Ao que o bobo solta essa frase: Eu sou um bobo, sou algo, você é um rei que deu seu reinado a suas filhas, não é mais nada. Sou bobo, és o quê?


terça-feira, 2 de maio de 2017

Ser dono é amar









--Srº, não há muito o que contar e são só os mesmos assuntos, para quê lhe agastar?    

- Mas conte; tempo há. Muito para ouvir histórias, pouco para as vivenciar.

- Sendo assim.
..
-Tenho um time, uma vida e coisas para admirar.

- Essas coisas são suas? Vidas, times e coisas não lhe pertencem.

- Tem uns livros que li...

- Livros que outros escreveram.

- Um filho.
..
- Ninguém é dono de outrem.

- Senhor dono não é mandar, registrar em cartórios, protocolar. Ser dono é amar.

- Não entendi.

- Já viu o rio Capibaribe em “um cão sem plumas”?
 O olhar de Henrique para Fallsstaf, no olhar de Brannagh?
- Continuo a não entender.
- O que se ama não se pode ter, só se pode amar. É seu porque não existe, ninguém nem nada que lhe possa tirar. Como quando meu filho abriu os olhos, como o beijo de Corisco em Dadá; Como meu pai embaralhando cartas, como o Rosa fundando um idioma, como Caetano chorando na morte de Tom Jobim, como Cristo perguntando ao soldado a razão de sua agressão.

O que se ama não se mensura, não se sopesa, não se explica. O que eu tenho? Tenho tudo! Tenho vida.

quinta-feira, 9 de março de 2017

Para Luiz de Almeida.




O filho de Luiz chamava Wellington. O filho de Luiz não sou eu. A dor é de onde vem a força. Agora choro de novo. Não porque o filho de Luiz se chamava Wellington, nem por seu pai de nome homônimo ao do meu. Choro porque nunca estará morto um filho. Para Luiz, Wellington estará sempre mais vivo em si. Se tem uma coisa que admiro é quem sabe sofrer e transformar dor em força. O nome do filho é Wellington, o nome do pai é Luiz. O nome dá dor é saudade. O nome de tudo é amor.

domingo, 5 de março de 2017

Eu nunca entendi direito: o que há  no falso e do que se alimenta o vazio, exaurindo-se do excesso do nada. Eu nunca alcancei os tolos: Deixei-os à   frente ou atrás, nunca os permiti emparelhar. Eu nunca vendi o riso, vendi o choro ou comprei saudade, tive e me bastou.
Eu nunca fui dos que ganham mas sei perder, e isso é nunca ter conhecido a derrota real que vem com vitórias de campeões do oco. Dos que precisam ganhar um título, um diploma, uma medalha e ostentar que não é um fracassado.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

O gato imaginário


Para Maria Regina Hoff




Por isso a amo. Ela entende um poema que sequer foi escrito e reconhece o valor de um gato imaginário. Entende as coisas com o entendimento da essência que vem antes da aparência. A quem eu daria um gato imaginário sem medo de ser idiota? A quem eu diria que escrevo um poema sem pejo de não ser poeta? A quem um gato imaginário pode interessar? A Maria Regina.
Não te dou o meu gato pôr o ter em conta menor, nem por não ter a quem dá-lo. Dou-te por saber que sendo teu, meu gato estará bem cuidado. Cuido no meu gato por ele ser caro e tudo que tenho e que quero e preciso. Te dando não fico sem ele, te dando permanece comigo. O que é belo e bom dividido fica maior ainda e repleto do que ausente.
Te dou um gato imaginário e ele só pode ser dado como presente. Não tem preço, não tem como tê-lo de outra forma, por outro meio. O meio sequer existe para ganhar meu gato imaginário e se houvesse um meio, uma forma, um caminho, e alguém por ele se guiasse, veria ao fim que nunca teria o gato, por ter premeditado, por auferir, por pretender, pelo mero cálculo.
Reginita, toma meu gato, imaginário, nunca virtual. Ele não foi inventado, muito menos tem um fim. Ele existe, é real, como o mal, como o capim. Ele confirma, ele celebra um amor por uma amizade terna, bonita, sincera e leal. Toma meu gato, cuida bem dele, sem mimos, sem afagos, sendo quem és. Foi por ser quem és que te dei, é por ser quem és que te amo.

domingo, 22 de janeiro de 2017

Sim, vi.




Eu vi a poesia no olho. Ele não era azul (o olho da poesia) mas nem preto nem castanho, nem em cores se revelava. Sabia que era o olho porque sentia que era visto.
Eu senti o cheiro da poesia. Não era de perfume, nem fedia. Era um cheiro de livros velhos e mofados, como os que no Recife eu lia.
Eu comi a poesia. E ela não me enchia as vísceras, ela não me enchia nada. Minha fartava pela ausência, me cansava pela inércia, me sobrava onde era pouca e onde era muita me faltava.
Eu descobri o nome da poesia. Não revelo, não declaro. Mas a quem interessar possa, é um nome sem palavras nem fonemas. Como eu sei que é um nome então? Porque chamei sem a voz, vi ao fechar os olhos e senti que o que era real era esse nome não decodificado. O real pareceu menor e falso (como os diamantes verdadeiros) e o que eu descobri o nome maior e exato, como os abraços de amigos, como os afetos sem sexo, como os gostares de fato.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Roberto e Jô



Venho de ver Jô Soares entrevistando Roberto Carlos. Que dizer? 
Fica um conselho de facebook, portanto idiota, como o são todos os conselhos: Nunca julgue pela aparência. Bom, eu disse que era idiota. A entrevista me pareceu cretina antes de eu vê-la, e mesmo depois me dou conta de que não foi grande coisa, enquanto entrevista. As perguntas e respostas foram amenidades e mais amenidades. O que me emocionou foi as lágrimas dos dois. Ambos são meus ex ídolos. Roberto deixou de ser por eu achar suas canções menos relevantes que a de outros e jô pela adesão descarada e idiota ao pt. Continuo achando o mesmo dos dois. Como artistas já não valem muito em meu reino, cujo critério meu é o único que vale. Sou, como Fernando Pessoa, soberano em meus gostares.  
Se não sou mais admirador desses, sou ainda de admirar o choro de um homem. O choro de um homem me comove. Me comove tanto que provoca o meu. Um homem chorando é lindo. A  mulher não me comove tanto. O choro da mulher é mais objetivo, mais real, concreto e quase óbvio. O choro de um homem (quando sincero) é de arrepiar. O choro do homem, quando é intenso, inevitável, quando vem como sem controle ou como natural, quando não se pode conter e arrebenta. Homem que não chora e disso se gaba é um idiota. Se dizem de alguém: ele não chora! Para mim não dizem nada, ou por outra,  dizem  fraco ao que se pretendia dizer forte. 
A força de um homem vem do seu choro, de sua dor, de seu fado. Nunca de seu Braço. 
A força de um homem nunca vem de sua inteligência, arrogância, dinheiro, cargo. Vem de sua força de chorar ou não chorar, se a dor é tão funda que ele não chora para à dor causar desagravo. 
O sonho de um homem não é menos que sua lágrima. 
Roberto e Jô foram ídolos no passado. Roberto e Jô choraram abraçados. Não importa o motivo, não importa a que idéias ou ideais eles sejam simpatizantes ou partidários. Para além das escolhas ( e antes delas) existe uma pessoa (que é a primeira instância a que se deve respeitar) depois o sexo, depois as atitudes (não o que se fala mas como se é) depois o que as fazem amadas. O chorar de um homem não me faz ser fã ou ver nele mais que o que vejo, ou tanto, como um homem espetacular (sim, tem homens que julgo assim, embora saiba que não existem homens espetaculares) mas me faz chorar com ele. 
Não importa o mundo das opiniões e o critério menor com que julgamos o outro. Importa-me dizer que Jô Soares e Roberto Carlos choraram abraçados. Me lixo para a fama deles. Pouco me importa em quem votam, o que fazem, o que acham. Choraram, Roberto e Jô. Choraram e eu chorei junto. 

terça-feira, 29 de novembro de 2016

A QUEDA DO AVIÃO




Falo somente o que falo: se são bobagens, se são sentimentozinhos que a qualquer um ocorre, não importa, falo.
 Falo somente o que quero e  não tenho olhos mortos nem cicatriz onde seja que não as físicas. 
Falo para ninguém e isso não me interessa; Música para surdos, quadro para cegos.
Falo do que é minha verdade. Tão minha e sincera que se não é crível, e se não é verdade no fato, o é na intenção primeira, e não pode ser mentira porque na mentira nada sugere inocência. A queda do avião me paralisa, me faz ter medo da própria vida e lembra como é frágil essa, como que por um ai  ela termina.