sexta-feira, 25 de setembro de 2015

A TERCEIRA MARGEM DO RIO



















Eu nunca sou um só, eu sou dois, eu sou mil. Eu nunca estou em uma margem do rio ou na outra, estou na terceira. A terceira margem do rio. O que faço lá? fui/vou/irei em busca de meu pai. Não porque queira persuadi-lo a voltar mas para apenas sentir a terceira margem. Meu pai saiu de casa em sua canoa e foi atrás da terceira margem do rio, disseram-lhe uns tolos que essa tal não existia. Tolos tolos são. Para mim só ela existe, só ela faz sentido ou dá sentido a existirmos. Nunca quis o amor total nem o ódio total, quis (quero) o que os distingue sem obnubilar, sem que haja o que os confunda. Não sei como amo e porque o faço, sei que meu amor está na terceira margem do rio. Se alguém se atrever a dizer que ela não existe, eu provo que ela existe dizendo que eu moro lá. Eu moro na terceira margem do rio e isso me explica (não justifica, claro) isso (o fato de eu morar na terceira margem do rio) me faz ser o que sou. Um dia equacionarei isso e farei de mim um homem bom. Mas nunca serei melhor saindo da terceira margem. Se sou cheio de imundícies, mesquinharias e de todos os defeitos que conhece quem me conhece, é bom dizer e saber que fora da terceira margem, nas margens "normais" do rio, eu seria pior. 

Eu habito a terceira margem do rio e sou doce quando contemplo meu pai. Ele não me vê, ele não me sente. Não está em sua canoa porque precisa que o mundo dele se apoie nele para não ruir. Eu, que sou um monstro que nem o parkinson fez mais humano e humilde; que sou soberbo e cheio de mim; que adoro pisar pessoas e vituperar contra o mal fazendo maldades, que sou apressado em diminuir o gosto dos outros e exaltar o meu, que zombo de religiões, que imputo culpas que são minhas, que... Deus meu! há de haver um perdão para mim e uma cura. Há de eu ter jeito porque eu habito a terceira margem do rio, e sou frágil ao ver meu pai em sua canoa procurando a terceira margem  do rio. 

Onde eu vivo (na terceira margem do rio) eu posso ver meu pai e isso é tudo. Meu pai me mostrou a terceira margem do rio, embora ele nunca a tenha visto nem ninguém. Ele é a terceira margem do rio! ELE SEMPRE FOI, É E SERÁ. É bem ousado dizer com palavras o que seja a terceira margem do rio, mas ouso. Ouso porque sei que é meu pai. Como sei? Pelo cheiro, pelo que não cabe em si, pela voz dele no silêncio, pelo olhar dele. Não sou um ser perdido. Habito a terceira margem do rio, lá não estão os santos, sequer os médios. Lá estão os poetas loucos, os perdidos de amor e desmedidos. Lá estou eu, na terceira margem do rio, não fui buscar meu pai, fui olhá-lo, fui sabê-lo, fui senti-lo, fui dizer baixinho e chorando: MEU PAI!

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Infernal



Estou infernal.
se eu mais inflar, engulo um planeta,
arroto estrelas,
e ponho novo nome em tudo.
Refaço a contagem do tempo,
faço contrário os elementos naturais.
o fogo gerará frio,
o frio não esquentará.
Às palavras eu mudarei a forma
de dizê-las e pensá-las.
Finda minha obra não assinarei embaixo,
deixo isso pra quem quiser ser deus.

Darei nexo as coisas que não tinham ligação;
Arbitrarei a sentença de satanás;
restituirei cada filho morto aos braços de sua mãe e
passarei ao fio da espada o assassinato.
Então não descansarei: ressuscitarei Castro Alves e acabarei com a escravidão antes de ela ter existido, e gostando da ideia farei isso com todo o mal.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

A lista do gostar





Duzentas que fossem as vezes necessárias eu mantinha firme a posição. Não por birra, não por burro, não por temor quais sejam. As coisas sobre as coisas não desfaço nem revejo opinião, o faço por estarem acima das minhas possibilidades de desgostarem. Não bastam as coisas que eu gosto sumirem, morrerem ou não estarem, isso até as fariam mais queridas. Eu teria de não ser eu, minha vida uma diluída em coisa que fosse gelo e que não fosse fria porque isso, mas um frio por ausência de calor, pelo contrario de seu motivo. Os que elegi em meu gostar não o fiz por motivos que possa explicar, nem poderia dizer se obrigado fosse. Não será uma goleada, um desengano, um desespero o que me fará desgostar do beijo de Corisco em Dadá no filme do Glauber. Não será uma opinião que findará um amor. Os códigos que me fazem gostar não podem ser quebrados, decodificados, encripitados, lidos ou o que o valha; São códigos de códigos com mil outros dentro. Não, minha flor, não posso ser outro, então se dispense de querer que diga o quer quer, só digo o que sou. Se não te cabe o meu reino procure um outro, nunca tente o meu mudar. Isso não é nem arrogante nem inflexionar, é antes te dizer: Do que gosto (noite, vasco, pai, filho, lua, o bardo e tantos e tantas mais) não deixarei de gostar. Ou tenta entrar na lista ou nunca queira estar. A lista do que amo se expande mas nunca encolherá.
Não sou leviano, tudo arrefece, se esgota, muda, passa, exceto minha lista de coisas queridas. O cheiro de meu pai, o sono do meu filho; a lua de Dostoievski; o olhar de Falstaff para Rick; Moacyr na sangria da barragem; você dançando; Tarde em Itamaracá; são coisas de dentro do cerne da coisa. Que não sei exato porque se fizeram tanto gostar, mas que só podem ser desgostadas não se eu as desgostar, mas se não for mais eu, não em mim mais estar.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Pedido




Peço-lhe uma palavra para começar um texto. Um cigarro para que eu não o fume nem trague, acenda-o, e solte no ar a fumaça. Peço-lhe atenção e carinho, quando menos, teu abrigo. Quando me vires por inteiro o perdão e depois a paciência. Peço que não me deixe ir onde eu quero nem ficar aqui, nem parado. Peço que não entenda tudo, mas entenda o algo. Peço que não me provoque e, se provocada, me fustigue. Não peço compaixão, não peço o que eu não pedir ou que eu não precise, peço o que tens disponível, nada que me justifique, Peço respeito pela minha luta, peço severidade pelo meus vícios, peço serenidade pela minha fúria, que me xingue quando eu precisar disso. Que me odeie, nunca que me adore. Peço que ria de mim quando eu merecer o escárnio, mas nunca covardemente, me deteste com lealdade. Nunca deboche das pontes, dos poemas e das minhas cicatrizes. Peço que me oriente pelo caminho onde eu ande errado mas jamais me diga certo o que eu tiver trilhando. Me recuse o elogio, me faça um silêncio onde eu tiver acertado. Peço que não seja severa demais, só serena, só segura. 

Não deixe que eu seja todo, me tolha, me dê espaços limitados, para que não extrapole, e se extrapolar não quebrar nada. 

Peço que compreenda que eu não quero só teu sim, e sim o teu anuir ou desagravo. Que entenda que se só disseres "sim" me porás em dúvida sobre tua escolha, se tudo me negares, porém, me convencerás de que tua opinião não vale.

Peço que não confundas o meu choro com tristeza, nem eu estar rindo com estar alegre, nem o que digo com o que sou. Que eu nunca te convença de nada, que você nunca de medo de mim reclame. 

Peço que entenda que sou ruim como um homem.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

SOU EU



Gosto é de pessoa não de gente. Do íntimo não do público; do que está oculto e eu descubro, do que tem o particular como graça. Gosto de um ser em si, não de um ser geral. Um na multidão que eu lhe veja inteiro e só, sem ser uma figura igual. 
Os socialistas não me são toleráveis, bem como o gosto de todos. Gosto do que gosto e não do que "deve-se" gostar. O egoísmo é uma forma de amar. Não falo do egoísmo do medíocre, de quem só quer para si, de quem não sabe admirar. Falo do olhar interno, do se gostar, e estando se amando saber amar. Falo da tristeza sem lho negar, sabendo-a ruim, sabendo-a má; saber-lhe antes a digerir que a renegar. 

Eu falo do canto triste, das noites frias, dos pais que não conseguem alimentar seus filhos. Das dores humanas, das perdas sem fim que como se pela frequência, pela constância, fizessem adormecer o nervo. O tal nervo que nos faz gente e nos faz homens. Homens e leões não são iguais. 

Não pretendo ver leões morrendo, mas não suporto o chorar dos que não sentem a dor dos mendigos e sente a dos leões. 

Eu guardo meu chorar para os que amo, para os que conheço, não para os que a tv quer que chore. Não tenho amor à "humanidade" nem a nada geral. Sou pessoa não censo, sou eu mesmo, não números.

Gosto tanto quanto cabe a quem gostar meu gostar, e odeio e devoro a quem for preciso para me alimentar. Não sou anjo, não santo, nem poeta, nem ateu, nem sou o contrário de nada disso. Sou eu.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

PARA CLEIDE FREITAS




Os cachorros sem dono à quem são fieis?
O que pedem os que tem aos que nada tem?
De onde Deus manda medo aos que são ateus?
De onde vem essa matança em nome de Deus?
Como pode a arrogância ser tão tola e se gabar?
Como pode a insegurança ser tão óbvia que me passo a disfarçar?
Se o que quero é evoluir porque tenho de me emporcalhar?
Se o que se sabe esta ai, o que depois se descobrirá?
Depois da verdade vindoura será mentira a que hoje há?

Deus está morto?
Deus onde está?
Deus não morre! 
Sei onde ele está. 
Quem me disse foi Talhita Prates.
Ela viu Deus onde ele estava para ela.
Eu vejo Deus na poesia, não nos poetas; nos gestos puros, não nos que os fingidos afetam; Na humildade do grande, na soberba do pequeno, na virtude dos pecados arrependidos, na música de meu baiano, em Carpina, na chuva e no sol pernambucanos.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

CAETANO NÃO!




Não se busca paz indo ao inferno. Queres me esquecer ouvindo Caetano? Não é maneira de me esquecer. Como não é lembrar de tigres e mestres (Bakugans ou Blishees), como não me esquecer é difícil. Calma lá, é difícil, não impossível, e tendo minha ajuda será mais fácil. Lembre de minhas mesquinharias e despropósitos, bem o sabes não serem poucos, bem o sabes não seres amáveis. Penses no que me deu e no que recebeu, subtraia um do outro e o resto ao resto.  Pense em coisas assustadoramente ruins que tenho e não transija. Nunca! senão... Se perdes, senão te afundas. 
Não pense em mim, essa é a\ única maneira de me esquecer. Nem pense em pensar em mim, evitando um erro que parirá outros. 
Mesmo em meus defeitos evite pensar, posto que sendo defeitos, defeitos não te parecerá, e mesmo que inconteste defeitos, te parecerão uma graça de ser e um jeito de estar, um porta que cai, uma voz inaudível, um cama audível, uma estátua adorada.
Pense no meu egoísmo, no meu destempero, na minha sordidez. Tenho muitos defeitos, muitos mesmo, sou um  cãozinho.
Caetano Veloso não!
É como um bêbado tentando se curar com conhaque  de alcatrão; como um gay que ser hetero e procura o serviço militar; como um  glutão que querendo emagrecer vai à praça de alimentação.
Não tente o outro caminho: procurar o que detesto. Seria inútil. Escutando Fabio Jr você não me teria ele como amigo pra me esquecer, seria o contrário, seria me amar pelo avesso.
Não procure na poesia, música ou qualquer coisa assim, motivos para me esquecer, procure no dia-a-dia, nas coisas prosaicas e com mas quais não sei lidar. Evite a poesia, evite o meu lugar, evite as pontes e rios (e olhe, você foi a única que viu o capibaribe comigo, que dormiu em uma pensão no centro de Recife (falei pensão) que viu a fúria-doce com que olho o rio e o amor que devoto ao poeta. Sim, você  viu meu reencontro com meu pai, viu a cara dele, viu a minha... Portanto, se é pra me esquecer não lembre de Caetano, lembre de você. o que te fiz de  mal, o que te fiz chorar. Não escute Caetano, nunca!



quinta-feira, 16 de julho de 2015

GENI OLHA PARA JESUS II




Jesus olha para Geni e se emociona. Porque não é os poetas e príncipes, cardeais e ascetas, corajosos nem sábios, poderosos ou os que fazem a vida fluir que tocam o coração sagrado. É a dor humana, é o ferimento no corpo não a trajetória a flecha.
Geni olha jesus de soslaio, tímida, sem jeito. Ela sabe de sua imundície, ela sabe do nazareno. Jesus olha Geni de cima para baixo não por outra razão que não seja prática. Geni se curva e o filho do homem se curva sobre ela e beija-lhe a mão. Geni não chora, tenta sorrir. Jesus a olha e ela sente o que quer dela. Não quer veneração e toda a pompa como que vem ela travestida. Quer um mundo de genis, um monto que cheio de pecados reconhece todos e abaixa o olhar para ele. Não quer Jesus que baixemos o olhar para ele, nem que gritemos seu nome aos berros. Quer, e isso sei que quer, que sejamos Geni. Cada vez que lembro da figura de Geni na música do Chico, mas de perto vejo que Jesus está para nós como nada pode estar.  
Não sou um religioso e sou de pequena fé, mas guardo  um nome e ele arde, Jesus de Nazaré.