domingo, 25 de janeiro de 2015

QUANDO PERDI O MEDO





Eis-me aqui! venho só e trago a lança na mão. Estou só e minhas mãos tremem como eu pensara não mais tremerem quando lutei sonolento e perfuraram minha cabeça com brocas. Não doeu, é verdade, mas me deixou uma cicatriz menor que a dos meus peitos, tão pequena que nem vista é. Mas ai dos que pensam que só o que se vê existe. Ai desses que julgam pelos sorrisos e choros que se choram nas praças, dos amores de Romeus, nas casas dos ricos, na forma que se impõem o que se nos é imposto. Setenta mulheres amadas que se fossem, duas fortunas e meia perdidas no jogo, trezentas cirurgias para amenizar meu mal, seriam suportáveis. A dor que me fustiga não tirou meu bom humor. Não gosto desse papo de dor, sobre tudo com essa palavra horrenda "fustiga", mas é dor, lateja. Não cossa, não inflama, mas é dor. Dói.
Coitado dos homens totais (já fui um) eles não sabem a dor de se ver só. De se ver com lança na mão mas sem atinar para que serve. Um combatente que não vê diferença entre o que ganham e os mortos; entre os que riem e choram, entre os de entre e os extremos.
O que me resta é essa lança sem sentido e medonha, um restinho de fúria, um esgar de medo.
Medo, ah o medo, tinha-o e desprezava-o... como fui idiota! Hoje, sem medo e sem gracejar com a vida eterna (essa me basta) sinto que o que havia de medo ficou para o passado. Medo tenho de dor física, não mais de ser enterrado.

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