quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Não matar






Ele ia baixo, de cabeça baixa, não como curvado ou como medo, nem por motivos menores de que se valem os canalhas para esconder sua hedionda cara. Ele baixava a cabeça por ter ultrapassado os de cabeça erguida e portanto saber-lhes tontos.
Ele quase nunca sorria, mas se o fazia era por coisas simplórias, dir-se-iam bobocas, sem sentido ou prosaicas demais para que fossem notadas. Se chorava? Sim, mas sem lágrimas abundantes. Apenas marejavam os olhos. Fora esquerdista outrora, ora não falava em política (quando se falava disso ele dispunha do sorriso dito acima), tinha perdido a graça para ele os rituais e cultos, mas cria. Em Deus? talvez, isso não compreendi. Andava só com sói ser aos que aprenderam algo. Gostava dos portugueses, de cheiro de maresia. Não tivera medos, não queria filhos, não sabia o gosto dos extremos. Sabia da vida passando e gostava muito de álcool e talvez cocaína, se o tivesse alguém oferecido.
Nada de exorbitante, nada de especial. Não fora Alexandre, dito o grande; nem bonito na mocidade; não era diferente de um homem em nada e em nada lhe era igual.
No dia de sua morte (um câncer no esôfago) já não havia qualquer resquício de sobriedade naquele homem. A dor lancinante do tumor em sua garganta o fazia gritar muito, e diziam: ele exagera. Logo ele que nunca fora dado a isso. Morreu com suas certezas e sonhos, levou consigo nada, apenas ele. Ele não faz falta a ninguém.
Ia esquecer do principal, do que quis dizer desde o começo sobre esse insípido ser: Ele dizia sempre que nunca matara ninguém e só por isso valeria viver.
Eis o meu héroi, meu personagem sem graça. Viver só vale a pena para os que não matam. 

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