quarta-feira, 22 de maio de 2013

EM PAZ

Deixe eu lhe dizer o que tenho, o que é meu e constitui minha fortuna, que é meu e me foi custoso comprar com dinheiros que mais caros que os dinheiros que há.

Tenho um filho, cicatrizes, amigos e um luar. Um violão que nunca aprendo a tocar. Um sorriso que não muda com o cacete do tempo, com as dores e os males todos.

Sim, tenho isso e mais um olho para chorar, um boca para rir, um abraço pra somar, um apego ao que for lindo, os poetas para amar. Tenho flores, tenho medos, tenho anseios, tenho tudo que não presta e o que presta só um pouco. Mas o pouco que presta preenche o vazio do oco. O oco preenchido deixa disso, de ser oco. Passa a ter coisa dentro, e tendo não és mais oco. É então o que é pouco, o que falta se comparado ao todo, mas é muito se comparado ao nada que é o oco.

Tenho meus textos chinfrins, tenho as minhas vitórias, tenho vencido o tremor e lutado com a rigidez. Tenho muito o que contar de hospitais, dores, perdas, mas nelas não me detenho, gosto de contar vantagens, de estar só madrugada.

Tenho dias que virão e os que foram ainda lembro. Tenho-os porque são meus, me formaram, me fizeram. Embora essas coisas não tenham feito um homem grande, um homem sábio, fizeram o que sou e estou em paz com isso.

Quem diz isso que vou dizer agora passa por cabotino, por petulante, por o que queira, mas digo porque é, e sendo não depende do que se fala, é.  Estou feliz comigo, estou de todo calmo. Cessaram meus tremores e o que tenho há anos, desde pequeno, tenho ainda. Há orgulho na minha fortuna e riqueza, no meu testamento não haverá nada. Quero morrer não agora, nunca quererei, e só vou me embora quando não der mais, mas quando morrer quero estar como agora: bem comigo, feliz com tudo, em paz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário