quarta-feira, 23 de junho de 2010

É SEXTA!








Você sonha comigo, você queima comigo, e chora também. Como vai me deixar, como vai me esquecer, meu bem?


Sem sonho, sem fogo, sem choro, a vida não presta.

Embaralhei tuas coisas, antes tão claras, antes tão seguras, agora confusa entre eu ser menino ou o próprio diabo, me ligas ao pior, ao perdido, ao vazio. Mas quando você lembra de mim, sorri. Um riso que você gosta, que te faz bem, que te remoça.

Não sou menino, nem o diabo, sou eu teu menino endiabrado, a quem você não deveria ter mimado, mas mimou, e de mimá-lo fez-se o estrago.

Sou um menino, nunca fui mais que isso, nunca o pretendi ser, e digo o meu mestre, Luiz Gonzaga: se eu pudesse renascer, mas do que sou não queria ser.

Meu pai fará aniversário e eu olho pra ele, fazendo churrasco, falando besteira, rindo e feliz por estarmos com ele, você se emociona com o que falo sobre ele? boba, te comoves com isso? porque não estás aqui dentro, porque não sentes o que sinto. Quando falo de meu pai, e me emociono com isso, não é pra te causar choro, nem ser mais poeta do que é preciso, é para sofrer um pouco a dor que sentirei na sua morte, é para suportar ele estar morto, eu estando vivo.

Falo no meu pai, sempre falarei, porque tenho orgulho dele. Deixa eu te contar uma coisa, uma coisa que me ficou, funda, inesquecível. Uma vez meu pai foi a casa de minha avó (a mãe dele) sentou à mesa, com voz rouca disse: mãe, me empreste o dinheiro do leite, que hoje nem isso tenho. Não sei o que pensava ele, nem se chorou depois, eu era menino, pensava em bola e pipa, não pensava em leite. Nunca na minha vida me faltou leite, nem pipas. Meu pai nunca deixou faltar nada para mim, nem minha irmã, comemos bem, sempre andamos bem vestidos, não ricos, mas com dignidade. Talvez ele tenha dado sorte em poder nos sustentar, existem pais que não tem mães para lhe emprestar o dinheiro do leite, existem pais que choram sem ter onde se consolar, perfeito. Mas o que o faz tão lindo e tão pai, e tão amado, não foi não ter deixado faltar meu leite, foi não ter deixado faltar amor, foi, mesmo no desespero, nunca ter me tratado mal. Fui à recife meses atrás e fiz besteira, meu pai ficou triste comigo, me ligou, e..., ai porra! como dói escrever isto, disse: porque você faz isso?

Ele tinha uma voz diferente, que lhe saia como doesse a garganta, como lhe doesse dizer o que me dizia, não uma dor de alma, mas uma dor real, como no poema de joão cabral, as palavras lhe ulceravam a boca. Sim, eu parei com isso, porque não quero ouvir nunca mais em minha vida aquela voz pungente, de uma dor profunda, como na dor do leite.

É sexta, 26/06/2010, meu pai fará aniversário, estaremos lá, meia dúzia de pessoas, meia dúzia de gatos pingados (nossa família é pequena) , reunidos para celebrar os 62 anos de meu pai, que é chato pra caralho, e eu o chamo Luis, o terrível, mas que nunca me deixou faltar leite, nunca nos deixou faltar amor, que foi, é, sempre será um homem comum, qualquer um, mas um pai amoroso, um pai cujo gesto, zelo, desprendimento, deu um sentido sagrado à palavra pai. Estaremos todos lá, estaremos todos juntos, meia dúzia de gatos pingados, mas juntos em um amor por sermos nós, por termos a família que temos, celebrando o fato de a vida ter nos feito morar separados, com novas idéias, com outros lugares, com outras vontades, com outros prazeres, por não nos faltar leite e nos sobrar amor.

3 comentários:

  1. Quem não se emocionar com essa leitura é um IDIOTA! O amor, não se mede por palavras, mas por sentimentos. Não se mede pela distância, mas pela íntima e enorme vontade de estar ao lado de quem se ama. No caso, o amor explícito de um filho por seu pai. Um filho que diz não ser poeta, mas o olhar e o tom que o pai transmite ao falar, torna-se poesia.
    Fantástico!

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  2. Hummmm, inspirou-se nas palavras e sonho de ontem, foi? Amei o que escreveu, assim como amo tudo em vc, embora muitas vezes te ligue ao pior, tá guardado o que de melhor fostes e ainda continuas sendo para mim.
    Um texto para mim e para Sr. Luiz...juntos ao mesmo tempo, amores diferente, cada palavra em seu devido lugar...VC É ESPETACULAR!!!
    VC NÃO PRESTA, MAS MESMO ASSIM...EU TE AMO!

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  3. EU ACHO BONITO QUANDO VOCÊ EM SEU PAI. NÃO SE ENVERGONHA DE DIZER QUE O AMA!
    ÀS VEZES VOCÊ DIZ QUE É EXAGERO. E DESDE QUANDO AMAR E DIZER QUE AMA É EXAGERO?
    QUANTOS FILHOS E QUANTOS PAIS JÁ MORRERAM COM VONTADE DE DIZER, EU TE AMO E NUNCA TIVERAM CORAGEM? QUANTAS PESSOAS NESSE MOMENTO ESTÃO TENTANDO DIZER, EU TE AMO E A VOZ NÃO SAI DA GARGANTA.
    VOCÊ É UM PRIVILEGIADO DE TER UM PAI PARA SE ORGULHAR DELE.
    ENTÃO GRITA AOS QUATRO CANTOS, EU TE AMO!!!
    ABRAÇO FORTE! POSSO DIZER QUE TE AMO? RSRSRS
    FÁTIMA FERREIRA. 12 DE JULHO DE 2010-07-12

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